Deu-la-Deu Martins, que uns escrevem Deuladeu outros Deu-la-Deu, mulher do capitão-mor de Monção, D. Vasco Rodrigues de Abreu, ficou na História de Portugal como uma das heroínas do século XIV, por ter conseguido derrotar as tropas de Enrique II de Castilla, usando métodos psicológicos então ainda não identificados como tal.
Sitiada e a sentir que a defesa de Monção estava prestes a cair, perante a míngua de alimentos existentes na praça que defendia das investidas de Castilla, Deu-la-Deu mandou recolher toda a farinha que ainda existia na vila e com ela confeccionou alguns pães que depois lançou sobre os sitiantes.
Com esta “operação” de esbanjamento de pão, Deu-la-Deu conseguiu que o inimigo pensasse que em Monção não faltavam alimentos e que, por esse motivo, a Vila não seria facilmente vencida pela fome, como inicialmente se imaginava, acabando por levantar o cerco e por regressar a terras de Espanha.
O estratagema de Deu-la-Deu funciona também para, em festas com muitos convidados, fazer crer que há comida com fartura para toda a gente, evitando desperdícios por açambarcamento – aqui o truque consiste em andar com uma travessa bem composta (tantas vezes a única) a perguntar às pessoas se desejam comer mais e a confirmar que só a ideia de abundância já sacia.
Também no imobiliário, a ideia de escassez, no início do “boom” da construção, fez com que os portugueses ensaiassem verdadeiras corridas para comprar casa, como se as casas fossem acabar no dia seguinte. Esta sofreguidão, própria de quem quer tudo por sempre ter tido nada, é a mesma de quem acredita que a terra para construir é escassa, o que deveria gerar um aumento muito elevado do preço das casas.
É verdade que a Terra não é ilimitada, mas daí a pensar que os investimentos no imobiliário, com os mercados deprimidos de hoje, podem voltar a assumir-se como um negócio chorudo quando esta onda má passar, vai um passo de gigante apesar de se saber que as zonas densamente urbanizadas não chegam a 1% da área da Terra. São equívocos desta natureza que geram bolhas como as que alguns países viveram no imobiliário e não só.
Nem 80, nem 8. Não é razoável sonhar que a valorização do imobiliário poderá atingir 10% ao ano, nem o contrário. Os preços das casas não podem ter aumentos daquela natureza durante muito tempo (se tal acontecesse ninguém ou muito pouca gente conseguiria comprar casa) mas também não podem quebrar como sonham todos aqueles que querem voltar a comprar em baixa para iniciar novo ciclo especulativo que venha a insuflar nova bolha imobiliária.
O truque de Deu-la-Deu não é eterno.
Luís Carvalho Lima
Presidente da Direcção Nacional da APEMIP
Publicado dia 17 de Julho de 2009 no Sol