Há clientes tão irrecusáveis quanto indesejáveis e o Estado, às vezes, é um deles – paga tarde e a más horas e antes de pagar já está a receber o IVA por conta do que ainda não pagou.
Talvez seja necessário repetir, por outras palavras, o que acabei de escrever no parágrafo anterior. É tão injusto que pode haver quem julgue estar a ler algo que, por qualquer gralha, transmite uma mensagem errada.
Há empresas que preferem deixar de servir certos clientes, supostamente clientes certos e bons, como seria de esperar do Estado, para não terem de adiantar o IVA muito antes de o receberem.
O fisco não quer saber se o cliente pagou ou não pagou, mesmo que o cliente seja um departamento da máquina do Estado – o fisco quer é o IVA tão a tempo e tão a horas, que às vezes deve ser pago antes de existir.
Reclama-se, há muito, que as empresas possam entregar o IVA depois de receberem dos clientes, num regime de excepção já existente para as construtoras e transportadoras quando prestam serviço ao Estado.
Estender este regime é muito mais do que um acto de elementar justiça. É uma autêntica providência cautelar em defesa de muitas empresas para as quais o principio “IVA com recibo” é esperança da sobrevivência.
Deixar as coisas como estão é manter um verdadeiro “imposto encapotado” e fomentar uma “discriminação fiscal” entre empresas. E, ao contrário do que muitos dizem, há soluções muito diferenciadas sobre esta matéria em vários países da União Europeia.
Num passado pouco distante, um deputado sintonizado com o Poder disse que «as empresas deveriam procurar vender apenas para aquelas que pagam atempadamente». Se muitas empresas seguissem o conselho, muitos serviços prestados ao Estado ficariam por terra.
É que o Estado é precisamente uma daquelas entidades contra as quais o senhor deputado alertava as empresas. O Estado paga, muitas vezes, a más horas, sendo muito lesto a cobrar e a penalizar aqueles que se atrasam a pagar ao próprio Estado, até em atrasos da responsabilidade do Estado.
Em vésperas da elaboração de um Orçamento que se adivinha de guerra e terá de ser muito rigoroso (por ser um dos mais vigiados de sempre e, ao mesmo tempo, um instrumento de gestão de um dos nossos anos potencialmente mais difíceis), é bom lembrar estes constrangimentos.
É enorme e de consequências imprevisíveis o estrangulamento que gera nas empresas a obrigatoriedade de adiantar IVA ao Estado, quando esse mesmo IVA ainda não conheceu boa cobrança. Este problema tem de ser equacionado, especialmente em épocas como a que atravessamos.
Para que a confiança não se perca e os supostos melhores clientes não se tornem indesejáveis.
Luís Carvalho Lima
Presidente da Direcção Nacional da APEMIP
Publicado dia 15 de Setembro de 2010 no Público Imobiliário