Os dotes que se pagam nos casamentos de conveniência, tal como noutros contratos semelhantes, estão sempre no rol dos mais elevados. Sabemos isto, pelo menos desde que, a Norte, uma das mais orgulhosas vilas de Portugal, a que um rio, meu homónimo, empresta o nome, fez subir o valor do queijo limiano ao nível do melhor queijo serrano.
Se bem se lembram, fartamo-nos de brincar com a situação, disseminando emails com anedotas sobre o queijo, numa atitude quase conivente. Convém fingir sempre alguma surpresa, para benefício da dúvida da nossa inocência, à semelhança do que estará a ocorrer na Rússia, quando, há dias, acordou com a noticia do potencial regresso de Vladimir Putin à Presidência.
Impedido, constitucionalmente, de se apresentar a um terceiro mandato consecutivo como presidente da Federação Russa, Putin teve a felicidade de encontrar em Dmitri Medveded um sucessor tão próximo dele que, na hora em que poderia recandidatar-se, propõe o regresso do anterior presidente e amigo. Este não terá dificuldades em cumprir mais dois mandatos.
Mas estas fidelidades e acordos de conveniência causam défices. Isto pode acontecer em Ponte de Lima, em Moscovo ou no Porto Santo que é, como cantava Max, a jóia mais antiga das jóias de Portugal. É plausível, défices de milhões. O que não é tão aceitável é que, na hora em que tudo se descobre, queiramos aparecer com a surpresa e indignação das virgens.
Muitos de nós, e não apenas os pérfidos do costume, imaginaram que o voto limiano não teria sido dado de mão beijada, tal como a fidelidade de Medveded a Putin teve e terá o seu preço, além da promessa do próprio Putin de que escolherá o seu antecessor para primeiro-ministro da Rússia. Amor com amor se paga: Putin também foi primeiro-ministro de Medveded.
Metáforas à parte, a questão é que estamos todos metidos neste nosso barco, que navega entre o Continente e as Ilhas (dos Açores e da Madeira), e precisamos de total transparência na hora em que temos de nos unir para acudir a alguma dívida acumulada ou a algum gasto inesperado como acontece, quando sofremos os efeitos de uma desgraça da Natureza.
Este é o mínimo denominador comum a que nos obrigamos se, de facto, queremos justificar um certo orgulho patriótico, que muitas vezes apregoamos como sendo uma das nossas maiores virtudes, em oposição aos outros, a quem, com facilidade, somos capazes de injuriar chamando-lhes de tudo, inclusivamente de traidores que é um dos piores insultos.
Não faltará quem diga que esta minha opinião de hoje terá muito pouco a ver com o imobiliário, como se as questões de ética não tivessem a ver com tudo e não sejam, crescentemente, o que faz a diferença.
Luís Lima
Presidente da APEMIP
luis.lima@apemip.pt
Publicado no dia 28 de Setembro de 2011 no Público