A euforia em torno de um acordo tripartido cuja bondade e eficácia ainda precisa de ser comprovada, desde logo pelas dúvidas levantadas em muitos setores que não exclusivamente sindicais, remeteu para um segundo plano as considerações generalizadas sobre a oportunidade de se oferecerem ordenados sumptuosos aos administradores da EDP, quando, por todo o lado, está a ser pedida a quase toda a gente, austeridade e contenção salarial.

Identificar aqueles, poucos, privilegiados que viverão numa redoma e estão a salvo das vicissitudes que afligem o cidadão comum, não parece atitude muito inteligente, até mesmo para os privilegiados, pois no contexto atual, poucos compreenderão esses privilégios e poucos ficarão satisfeitos com a garantia bíblica de que será mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.

S. Mateus, o autor do versículo do camelo a passar pelo fundo da agulha, não se referia aos administradores da EDP, muito menos aos administradores que vão exercer os cargos neste ano da (des)graça de 2012 , mas a verdade é que estes contrastes tão acentuados estão longe da harmonia de uma qualquer sinfonia, quadragésima ou outra, e soam mal, aqui e agora, em que a generalidade das pessoas, com emprego, vai trabalhar mais, por menos dinheiro.

Se estas coisas não se soubessem e não fossem sopradas pelos invejosos do costume a jornalistas que gostam de jornalismo de investigação, estas práticas continuariam a ser desadequadas e até a causar algum incómodo aos próprios beneficiados, mas não causariam desânimo e um certo efeito desmobilizador na generalidade das pessoas, precisamente num tempo em que se proclama a necessidade de um esforço de convergência tripartido.

Dir-se-á, com ironia, e como já tenho ouvido, que a vocação social das empresas deve começar por cima. A EDP, certamente preocupada com a concorrência, precisa de gestores de topo e estes fazem-se pagar bem, aos valores de mercado. E ainda falam em bolha imobiliária. Ironias à parte, o que continua a ser válido neste país de matriz judaico-cristã è que, à mulher de César não basta ser séria. É também preciso parecer que o é, em especial aos olhos dos outros e isto nem sempre está a ser assumido por quem, pela sua posição, mais responsabilidades devia ter nesta como noutras áreas.

Para que o esforço pedido à generalidade da população seja aceite e seja, pelo menos aparentemente, mais suportável.

Luís Lima

Presidente da APEMIP

luis.lima@apemip.pt

Publicado no dia 27 de Janeiro de 2012 no Sol

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