Em alguns dos muitos telefilmes que nos fazem absorver horas e horas de televisão, habituamo-nos a ver algumas formas estranhas de venda, como, por exemplo, as americaníssimas vendas de garagem ou de jardim que servem para nos desfazermos do muito que a nossa alma de recolectores vai acumulando.
Estas mini feiras da ladra, por analogia com as muitas feiras espontâneas ou organizadas de velharias que ganharam, em Portugal e no estrangeiro, notoriedades várias, têm alguma dimensão ecológica na exata medida em que possam dar uma segunda oportunidade a muitos objetos que já nada dirão aos seus iniciais proprietários.
Há também, pelo menos na imaginação dos realizadores de alguns telefilmes, quem venda a senhoras ricas e pelo melhor preço, num ambiente restrito e supostamente seleto, uma noite com um solteirão rico e empedernido, com jantar incluído. Em nome – entenda-se – da altruísta necessidade de angariar fundos para boas ações.
Muitas bibliotecas particulares de bibliófilos famosos são esquartejadas em lotes mais ou menos agrupados por estilos, temáticas ou simplesmente pelo aspeto das lombadas, numa divisão concretizada em sessões públicas, convenientemente anunciadas, que não raramente são apresentadas como momentos culturais de referência.
Em Maio último, um advogado que é também um escritor brasileiro arrematou, entre outras preciosidades, por 22 mil euros, uma velha máquina de escrever, marca Royal, que Fernando Pessoa terá usado quando trabalhou na Sociedade Portuguesa de Explosivos, em Lisboa, na esquina da Rua do Arsenal com o Largo do Corpo Santo.
A máquina de escrever teve uma base de licitação de 3000 euros muito superior à base, esta inferior a dez euros, que, no Verão de 2008, a Direcção-Geral das Contribuições e dos Impostos (DGCI) fixou para a Capela de Nossa Senhora das Dores no concelho de Valpaços, distrito de Vila Real, edifício de um particular que o entregou em dação por dívidas ao fisco.
Talvez as agências de rating tenham stocks de letras “A” em quantidade tal, que seja possível promover uma grande venda de jardim lá para os lados de Washington, embora o potencial interesse dessas letras seja muito relativo, independentemente do preço a que viessem a ser vendidas. Neste tempos quem precisa de AA – precisamos é de um plano B.
Um plano B contra outras estranhas formas de venda como são aquelas que, num cenário em que o normal funcionamento dos mercados tem dificuldade em consolidar-se, tentam, ao contrário do que acontece em alguns dos exemplos que já citei, desvalorizar produtos, novos e usados, que se oferecem a preços, tantas vezes inferiores ao real preço de custo.
Há produtos que não merecem ser vendidos assim. Produtos como as casas.
Luís Lima
Presidente da APEMIP
luis.lima@apemip.pt
Publicado dia 10 de Agosto de 2012 no Sol