Na língua de Cervantes, ou seja, em bom Castelhano, a palavra picadero significa o local fechado onde se ensinam e treinam cavalos mas também um local secreto para encontros amorosos entre quem não pode assumir-se de forma clara ou simplesmente não tem acesso a outros espaços de melhor qualidade e maior privacidade. Os que se entendem em Português usam, neste últimos casos, a palavra alcova.

Se atendermos melhor na letra de uma insinuante e conhecida canção de Chico Buarque de Holanda – “O que será que será” – recordaremos o “que andam suspirando pelas alcovas” mais o “que vive nas ideias desses amantes” e ainda, a terminar e para que os leitores identifiquem melhor a canção, “o que não tem governo nem nunca terá, o que não tem vergonha nem nunca terá, o que não tem juízo”.

Tudo isto parece poético e parece que nada tem a ver com o imobiliário. Na verdade tem e tem muito a ver com o imobiliário. Pensemos, por exemplo, nos muitos filhos que se eternizam, já adultos e até com cursos superiores concluídos, na casa dos pais, sem condições para arrendar ou adquirir casa própria e inventando alcovas em motéis à beira das estradas ou em pensões discretas de ruas secundárias nas zonas históricas das cidades ainda por reabilitar.

A dificuldade de acesso ao crédito para aquisição de habitação própria impostas pelos critérios apertadíssimos das instituições financeiras, um mercado de arrendamento urbano ainda com rendas elevadas e, principalmente, a diminuição real dos rendimentos dos portugueses, seja pelo aumento do desemprego seja pela própria diminuição dos rendimentos de quem trabalha por conta de outrém, em especial por conta do Estado, tudo isto contribui para que aumente o exército das pessoas que gostariam de ter outras condições ao nível da habitação.

Não admira pois, que comecem a aparecer soluções de habitação fora do vulgar. O exemplo da vida comunitária ao estilo das Repúblicas de Estudantes de Coimbra e do Porto está a ser seguido por famílias cujas dificuldades fazem com que optem pela partilha de apartamentos, em alguns casos abandonando até as casas que já tinham adquirido a crédito que entretanto deixaram de poder pagar. Há já portugueses a regressar, por necessidade, ao estilo de vida do tempo em que muitas famílias viviam em quartos subarrendados, partilhando, em regime de serventia, cozinhas e instalações sanitárias. Num retrocesso impensável há bem pouco tempo.

Piores condições de habitabilidade (e nem sequer em todos os aspetos) só nos submarinos das marinhas de guerra cuja capacidade de alojamento é de duas camas para cada grupo de três homens, obrigados a revezarem-se na hora de dormir num sistema conhecido pelo adequado nome de “cama quente”. E pior do que a partilha forçada do espaço vital que estas soluções implicam é a diminuição desse mesmo espaço vital. Habituamo-nos a poder usufruir de mais espaço mas este começa, de novo, a diminuir.

O espaço habitacional vital de cada um está, entre nós, a diminuir drasticamente podendo, em alguns casos, aproximar-se de limites insuportáveis como poderá ser o de hipotéticas alcovas de cama quente, por analogia com o sistema de rotatividade na oferta de camas para dormir num apertado submarino de guerra.

Luís Carvalho Lima
Presidente da APEMIP
luislima@apemip.pt

Publicado dia 13 de Agosto de 2012 no Jornal i

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