Por lidar essencialmente com números, cuja frieza não significa necessariamente rigor, as estatísticas dos censos prestam-se a leituras muito perversas da realidade, pois albergam na mesma categoria situações totalmente diferentes entre si que, em bom rigor, não deveriam figurar lado a lado.
Números como os das casas vazias enchem jornais com o impacto muito semelhante ao de certos grafitis que decoram algumas ruínas nos centros das cidades e proclamam o que aparentemente parece ser verdade – “tanta gente sem casa e tanta casa sem gente”.
Há, de facto, gente sem casa e casas sem gente mas esta situação não é a que caracteriza o nosso parque habitacional como poderia deduzir-se da leitura apressada (ou limitada a certos títulos) de alguns artigos nascidos e criados no seio dos resultados definitivos do Censos 2011.
O número gordo 735128 que parece um número da lotaria nacional premiado mas é o número de casas vazias em Portugal que figura no Censos 2011, incluiu as casas que estão para demolir, as casas que estão para vender, as casas que estão para arrendar, entre outras.
E nestas outras estão largas dezenas ou mesmo centenas de milhares de declarações incorretas, prestadas de boa-fé por muitos proprietários de imóveis que os declaram em determinado estado e para determinado fim que estão longe de ser reais.
Acresce – neste cenário construído por números de papel e lápis a que os computadores deram a dimensão de ferramenta de gestão indispensável – os números das centenas de milhares de famílias que vivem em casas sobrelotadas com uma, duas ou até três e mais divisões em falta.
E não são apenas os jovens ou menos jovens que voltam para casa dos pais ou que mudam para uma casa mais pequena, seja pela incapacidade de pagar a renda acordada seja pela incapacidade de pagar a prestação bancária pelo empréstimo contraído em sede de crédito à habitação.
Há dez anos, o anterior Censos referia a existência de 12 mil barracas em Portugal (sensivelmente 0,25% do parque habitacional) e registava uma taxa quase total (99%) de casas com eletricidade e uma elevada taxa (96,5%) de casas com água e com esgotos.
Estes números de há dez anos correspondem a um salto qualitativo significativo da qualidade da habitação em Portugal, nomeadamente no que respeita ao saneamento básico nas principais cidades, qualidade que é, entre nós, relativamente recente de forma tão generalizada.
Quando olhamos de forma global para um território temos, para o lermos com rigor, de conhecer todos os códigos que uma leitura dessa grandeza implica sob pena de podermos transmitir uma imagem menos real como é sempre a que toma a parte pelo todo e uniformiza partes muito diferentes entre si.
Repito hoje o que disse quando foram divulgados os primeiros números provisórios deste Censos 2011 – dois e dois são quatro se o “e” significar uma operação de soma ou adição e se estivermos num quadro de um sistema matemático de base 10, o mais habitual entre nós. A infalibilidade dos números não é tão certa quanto parece.
Luís Lima
Presidente da APEMIP e Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
luis.lima@apemip.pt
Publicado no dia 03 de desembro de 2012 no Jornal i