O conceito de Classe Média como cimento das Economias de Mercado que assentam em regimes democráticos é, entre nós, relativamente recente. Antes, quando, por cá, a divisão da população por classes ainda se fazia à luz da divisão do ancien régime,  ou seja, do regime que vigorava em França antes da Revolução Francesa, limitando-se a nomear o clero, a nobreza e os outros, antes falava-se, grosso modo, de remediados, um estrato populacional que não sendo de ricos nem de pobres não era bem do que chamamos de classe média.

A classe média, tal como muitos de nós a entendem hoje, é um dos pilares das chamadas economias de mercado e é responsável pela principal fatia das procuras internas indispensável ao crescimento da própria Economia. A classe média, tal como a devemos entender, possui poder de compra suficiente para garantir as necessidades básicas mas também para aceder a um estilo de vida que implica a fruição de bens e serviços que já não consideramos básicos.

Está num patamar mais elevado do que aquele em que se colocavam os chamados remediados, expressão que traduzia de forma modesta aqueles que, numa certa concepção de ser português, entretanto caída em desuso, nem eram ricos nem eram pobres. Concretizando para efeitos didácticos, algo lineares, direi que remediados eram aqueles que sabiam o que era ir ao cinema, mas raramente frequentavam as salas de cinema.

Uma classe, passe esta ousadia de sociólogo, diferente da Classe Média, esta mais distante da pobreza do que das grandes fortunas, e garante, em certos momentos, do funcionamento do comércio urbano, e mesmo, por vezes, possuidora de bens tão consideráveis que chegaram a ser suficientes para deixar marcas bem visíveis, por exemplo na arquitectura das cidades. O Porto que se redesenha e cresce nos finais do século XVIII é um dos berços deste estrato populacional.

Com naturalidade, a Classe Média passou a aceder a elevados níveis de instrução e de conhecimento, integrando profissionais liberais que desempenham um trabalho classicamente intelectual e que vão ocupando lugares de destaque em muitas dimensões da vida de um país, chegando a impor modelos políticos e modelos de crescimento. Deste grupo começaram também a sair advogados, engenheiros, professores, médicos e até a formar-se novos públicos de museus, de teatros, de salas de música, de restaurantes de boa qualidade, de certos jornais e revistas, de carros de cilindrada média, de viagens turísticas, de ipods, de ipads e de outros gadgets.

Ora é precisamente esta classe média quem está a ser a principal vítima das políticas de austeridade em curso, no sentido inverso ao da sua própria ascensão  e num regresso à generalização dos remediados, sobreviventes sem capacidade para dar a volta a este estado de coisas, e sem capacidade, muitas vezes, para aceder a um  emprego num quadro de economia formal, condição sine qua non para qualquer estratégia de crescimento e desenvolvimento.

Luís Lima

Presidente da APEMIP e da CIMLOP

Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa

luis.lima@apemip.pt

Publicado no dia 31 de dezembro de 2012 no Diário Económico

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