Um dos congressistas mais bem retratados no filme de Spielberg sobre Lincoln, uma das películas com mais nomeações aos óscares a atribuir depois de amanhã, recua, nas alegações finais para a votação, na Câmara de Representantes, da 13ª emenda da Constituição dos Estados Unidos (que aboliu a escravatura), em nome de uma estratégia a visar, precisamente a abolição da escravatura.

O congressista, que o filme mostra como vivendo em união de facto com a sua governanta, uma mulher afro-americana, numa ligação impensável naquele ano de 1865, era extremamente radical na defesa da igualdade entre brancos e pretos, mas na hora da votação decisiva, defende, de forma moderada, a emenda proposta por Lincoln, limitando-se a assumir apenas a igualdade perante a lei, para não inviabilizar, pelo radicalismo, aquele passo importantíssimo para o objetivo final da igualdade de todos os americanos.

Mesmo perante decisões que, mais cedo ou mais tarde, serão inevitáveis, podemos ter de fazer o caminho em pequenos passos para melhor alcançar o objetivo final. Isto é, agir politicamente, com inteligência, medindo corretamente a correlação de forças que a cada momento se cruzam no terreno. Esta é seguramente a grande, e de grande atualidade, mensagem do filme Lincoln.

Por analogia, podemos refletir sobre a inoportunidade de alguns potenciais radicalismos no caminho, inevitável, do regresso a um mercado de arrendamento urbano digno desse nome, ou seja, um mercado livre entre as partes, mercado para o qual a lei atual dá passos, mesmo não indo tão longe como, justamente, desejam os proprietários de imóveis.

A ânsia, compreensível face ao histórico deste mercado, que se verifica na hora da atualização das rendas antigas (que representam uma percentagem pequena no universo do mercado de arrendamento) gera conflitualidades reais, indesejáveis e desnecessárias, entre senhorios e inquilinos, e cria tensões que dificultam à pretendida normalização do mercado, muito particularmente num momento em que o Estado está com dificuldades em prestar  cuidados sociais aos inquilinos mais vulneráveis.

Os maiores entraves ao regresso equilibrado deste mercado como solução habitacional para quem não consegue crédito para adquirir casa própria, ou para quem, por outras razões, opta por arrendar uma casa, não deveriam, como está a acontecer, resultar dessa inexplicável, desnecessária e indesejável guerra entre inquilinos e senhorios, contra a qual tenho vindo, há mais de um ano, a alertar.

Deveríamos ter a inteligência do citado congressista do filme Lincoln e saber consolidar os passos dados no sentido do regresso à normalidade do mercado do arrendamento urbano. Mais problemático do que a liberalização das rendas antigas (a merecer os cuidados sociais que a situação do país exige) é a  resistência, pouco comercial, em fazer baixar as rendas novas para valores competitivos face aos de uma prestação bancária de um crédito habitacional.

Esta diminuição terá de rondar, no segmento médio e médio baixo, valores da ordem dos 30 a 40 %. Sob pena de não haver mercado.

Luís Lima
Presidente da APEMIP e Presidente da CIMLOP – 
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
luis.lima@apemip.pt

Publicado do dia 22 de fevereiro no SOL

Translate »