Um colaborador meu, que adquiriu, já lá vão quase 25 anos, a casa onde vive, comprou uma caneta de tinta permanente de uma marca de renome mundial para marcar bem a assinatura da escritura de aquisição da casa, momento alto e de festa para esse meu colaborador e para toda a família dele.

O dia da escritura foi, para ele, como para milhares de portugueses em ocasiões idênticas, um dia de festa que, tenho a certeza embora não tenha testemunhado, foi também dia de celebração especial com jantar fora para toda a família como nos dias dos aniversários que merecem ser festejados.

Nesse tempo quem adquiria um imóvel sentia-se, em regra, feliz e festejava essa felicidade, tantas vezes a concretização de um velho sonho, com um sorriso que lhe saía da alma e que era visível e até contagiante. Quem vendia tinha, quase sempre, a elegância de desejar aos compradores as melhores felicidades na nova casa.

Hoje, pelo contrário, quem tem vontade de sorrir é quem vende, embora possa disfarçar esse alívio. Quem compra já não compra uma caneta de marca para firmar a escritura e está tão embrenhado nos encargos que acaba de assumir e nas interrogações que ainda o preocupam que fica sem vontade de sorrir.

Sentimentos que saltam para fora mesmo quando se sabe que este é, em Portugal, o melhor momento para comprar casa. Os preços foram baixando, injusta e artificialmente, reconheça-se, mas baixaram, o que beneficia quem compra em especial quando essa compra coincide com o momento da recuperação do sector, já anunciada para 2014 pela agência de notação internacional Standard and Poor’s.

Sinto alguma satisfação por este reconhecimento, mesmo tardio, pois há anos que venho denunciando análises, internas e externas, que falam numa bolha que não se formou entre nós tentando sempre e de forma persistente desvalorizar o nosso património construído como aqueles que desdenham para comprar. Água mole em pedra dura até uma agência fura.

Voltando à nossa realidade, reconheço que sendo verdade que quem pode comprar o faz, neste momento, em condições potencialmente favoráveis também é verdadeiro que aqueles que conseguem vender também estão, em muitos casos, felizes. Às vezes tanto ou mais felizes do que aqueles que compram. A venda pode estar a traduzir-se em alguma liquidez mais do que desejada e é, no mínimo, um certo alívio fiscal.

É que mesmo em tempo de crise, num contexto de enorme dificuldade para as famílias e apesar de se saber que a elevada percentagem de proprietários de imóveis em Portugal resultou de políticas habitacionais que os portugueses tiveram de aceitar se queriam ter casa, a realidade é a dos aumentos dos impostos sobre o património edificado, aumento que faz com que o sorriso de satisfação que sublinha uma transação imobiliária tenha resolvido transferir-se de quem compra para quem vende. 

Não é só o Mundo que é composto de mudança, é também o mercado imobiliário português, onde muitos portugueses depositaram, com muito sacrifício, todas as suas poupanças salvaguardando uma das maiores riquezas de Portugal, infelizmente alvo de múltiplas cobiças, internas e externas. Cobiças que baralham os sorrisos de quem participa numa transação imobiliária.

Luís Lima
Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
presidente@cimlop.com

Publicado no dia 08 de maio de 2013 no Público

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