As suspeitas de ilegalidade que subitamente irromperam relativamente à prática, muito difundida, de uma parte significativa de proprietários de imóveis que pedem as declarações do IRS a quem manifesta interesse numa casa que esteja para arrendar estão, objectivamente, a fazer com que o mercado do arrendamento urbano não atinja a velocidade de cruzeiro de um mercado dinâmico.

As polémicas incendiadas em torno da potencial violação da privacidade que alguns dados justificam, mesmo quando se ignora a possibilidade de haver consentimento por parte do interessado no arrendamento, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, tais polémicas são quase perversas.

Sendo certo que a apresentação da declaração do IRS apenas pode funcionar como sinal que indicia a possibilidade daquele cidadão poder honrar compromissos assumidos, a sua ausência redundará na obrigação do interessado ter de apresentar-se acompanhado de fiador ou de uma garantia bancária.

A prática da solicitação do mais recente declaração de IRS não foi inventada pelos proprietários de imóveis que podem reforçar a oferta no mercado de arrendamento, embora pareça que sim pois só neste caso está a levantar a celeuma que já levantou como se aquele pedido pudesse ser imposto unilateralmente.

O que poderá ser e é uma manifestação de fé, sem consequências de maior e assumida pela vontade das partes, transformar-se-á num verdadeiro entrave a um normal funcionamento deste mercado, onde muitos proprietários de imóveis estão escaldados com práticas fraudulentas de alguns, mesmo que poucos, arrendatários.

Na verdade, não estamos perante violações de dados pessoais que devam, pela sua natureza, ser resguardados, nem mesmo quando se torna público quanto determinada pessoa apresentou na dedução à colecta em despesas de saúde. A declaração, como todos sabemos, não especifica – e bem – a que doença ou doenças correspondem tais despesas.

Infelizmente esta quebra de confiança verifica-se amiúde em muitos outros contratos, sem que as vozes que se erguem agora para cruxificar as exigências dos futuros inquilinos  se levantem em defesa daqueles a quem se vasculha o passado para avaliar a dimensão do risco que certas garantias podem concretamente constituir.

Cuidados que, neste mercado, privilegiam uma das partes. Como e quando foram protegidos os proprietários de imóveis que viram as respectivas propriedades serem ocupadas durante anos por inquilinos profissionais especializados em deixar de pagar renda, à conta da morosidade da Justiça? Como e quando tal aconteceu entre nós?

Afinal não é só o fisco que penaliza a propriedade imobiliária e o uso que dela é possível fazer, nomeadamente no mercado de arrendamento urbano. Há até quem incite a tal,  o cidadão que procura no arrendamento a solução para o respectivo problema habitacional. Há em muita gente, a tentação de fazer sentir alguma incomodidade em quem aparece como sendo mais abastado.

Estas versões tardias da palavra de ordem do PREC “os ricos que paguem a crise” nem sequer são rigorosas – há senhorios em maior dificuldade económica do que inquilinos e mesmo que tal não se verificasse não seria razão para impor um  estranho paradigma que poderíamos sintetizar com um “os proprietários que paguem a crise”. 

Luís Lima
Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
presidente@cimlop.com

Publicado no dia 10 de março de 2014 no Jornal i

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