A implacável e surpreendente espada da Justiça italiana condenou a seis anos de prisão seis cientistas considerados culpados pelo homicídio de 309 pessoas, tantas quantas morreram em Áquila, na sequência de um tremor de terra ali ocorrido em Abril de 2009.

Os cientistas foram condenados por alegadamente não terem alertado de forma adequada a população para o risco sísmico na região, risco que se materializou a 6 de Abril num tremor de terra de grau 6,7 na escala de Richter, grau considerado forte e capaz de causar estragos num raio de 120 quilómetros.

Dias antes desta trágica ocorrência natural, uma comissão italiana encarregada de prever e prevenir grandes riscos reunira para analisar uma continuada atividade sísmica que então se verificava na região admitindo, no final da reunião, que tal atividade, por libertar energia sísmica, poderia até ser considerada uma “segurança” contra situações mais graves.

A possibilidade de poder ocorrer, na região, um sismo forte, como o sismo de 1703 que então dominava a memória colectiva da população local, não foi porém posta de lado pelos cientistas que expressamente disseram nunca poder excluir-se uma tal possibilidade em especial em regiões de elevado risco sísmico como a região da cidade de Aquila.

No final do encontro, em declarações aos media, um representante da Proteção Civil italiana, disse que os cientistas tinham admitido que a atividade sísmica continuada que se verificava na região não constituía perigo, confirmando também, com um lacónico “absolutamente”, que as pessoas da região podiam estar descansadas e “beber um bom copo de vinho”, expressão contida na pergunta fatal.

Não sendo possível, cientificamente, prever a ocorrência de um sismo de elevadas proporções, nem mesmo em zonas sísmicas de alto risco e até em momentos de intensa atividade sísmica, também não é garantido assegurar o contrário, ou seja, que não possa ocorrer um terramoto. Houve, por isso, algum erro de comunicação nesta caso de Aquila, mas daí a condenar cientistas que nem sequer estão ligados à construção dos imóveis…

Como disse um cientista português, ouvido sobre esta insólita sentença, “as pessoas não foram vítimas dos cientistas, foram vítimas do sismo”. Curiosamente, esse mesmo cientista lembra que as pessoas que morrem durantes os sismos são, em regra, atingidas pelos destroços das casas que não resistem, e não por qualquer reação provocada pelo simples tremer da terra.

Pelo estudo científico e pelo conhecimento das fraturas terrestres é possível identificar geograficamente zonas do globo de maior risco sísmico e determinar, por exemplo, que as construções novas a edificar nessas áreas tenham características adequadas, sendo também possível reforçar as proteções das estruturas dos prédios mais antigos, o que pode, como também já li, justificar a duplicação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) nos municípios mais vulneráveis.

Tudo é possível, como se vê, embora fosse de esperar algum pudor em considerar que a culpa é casada com tanta gente, como nesta solução italiana de fazer crer que, afinal, em Aquila, a dita cuja não morre solteira. Nós, por cá, que também somos um pouco assim, podemos e devemos refletir sobre este triste caso para podermos mudar a nossa própria mentalidade, se for caso disso.

Luís Lima Presidente da APEMIP e 

Presidente da CIMLOP Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa

luis.lima@apemip.pt

 

Publicado no dia 29 de outubro de 2012 no Jornal i

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