Procuro na internet e encontro. Diz que é um apartamento bem localizado, com dois dormitórios (leia-se quartos), sala, cozinha dois banheiros (leia-se casa de banho) e área interna. Ideal para aeromoças (leia-se hospedeiras de voo), pilotos, estudantes universitários. Em ótimo (leia-se óptimo) estado de conservação. Perto de hipermercado, farmácia, padaria, oficina mecânica (para automóveis, presumo) e churrascaria. A quatro minutos  de Copacabana e a sete minutos de Ipanema. Tudo muito perto, mas em português do Brasil, o que significa que este achado, afinal, está longe deste Portugal, cuja procura no mercado do arrendamento urbano é muito superior à oferta, o que também explica os preços altos da própria oferta.

Li em tempos uma crónica do escritor brasileiro Carlos Drummond de Andrade, poeta maior da nossa língua, que contava com a leveza e mestria da escrita de Drummond, o expediente que um proprietário de imóveis inventara para conseguir arrendar um dos seus apartamentos. Neste texto, que gostaria de reler mas está “arquivado” num livro de crónicas que não regressou à prateleira habitual na minha biblioteca, diz-se que o apartamento a arrendar era anunciado como sendo propriedade de uma aeromoça, evocando as viagens quase permanentes da proprietária para justificar a sua oferta no mercado de arrendamento – e quem é que não sonharia em ser inquilino de uma aeromoça? Quase e qualquer preço?

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e entre o Brasil contado por Drummond na crónica do apartamento da aeromoça e o Portugal de hoje vai um salto de gigante, maior do que o Oceano Atlântico, com as soluções habitacionais em Portugal a passarem, prioritariamente, pela aquisição de casa própria, nos anos 80 e 90 do século XX, soluções que entretanto começaram também a contemplar o mercado de arrendamento, face às claras e recentes dificuldades de acesso ao crédito. Em Portugal nunca nenhum proprietário terá tentado arrendar o respectivo apartamento fazendo-se passar por uma hospedeira de voo que pode dispensar um T1 ou um T2 anteriormente adquirido. Se o preço for “low coast”, como certas companhias aéreas…

Neste cenário da construção e do imobiliário o filme que passa entre nós, aqui e agora, é outro. Há oferta de imóveis, principalmente para venda, e há procura, para comprar e, em alternativa, para arrendar… Desde que haja crédito para habitação própria ou desde que os preços dos arrendamentos não sejam quase tão elevados como os valores normais das prestações de um empréstimo para a aquisição de idêntico imóvel. Duas condições (crédito ou valor de renda acessíveis) que, infelizmente, não estão a verificar-se como seria de desejar, com consequências preocupantes para promotores, para o público e até para os bancos, nomeadamente aqueles que financiaram a promoção mas estão agora a dificultar o financiamento à procura para a aquisição.

Este estrangulamento de um mercado onde existe oferta e procura poderia ser um bom tema de discussão política nos debates eleitorais em curso, quer para as legislativas, quer para as autárquicas que lhe servirão de sobremesa. É oportuno e importante que estas matérias sejam debatidas e, principalmente, que seja possível encontrar soluções exequíveis para viabilizar este mercado viável, na exacta medida em que possui oferta e procura, até mesmo para evitar que a banca, num futuro que pode ser próximo, tenha de inventar expedientes, como aquele das aeromoças, para vender ou arrendar os muitos imóveis que poderão ir parar-lhe aos braços. Para que os inquilinos sonhem que a senhoria é top-model.

Luís Carvalho Lima
Presidente da Direcção Nacional da APEMIP

Publicado dia 17 de Setembro de 2009 no Público Imobiliário

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