Há quem peça a protecção ao Anjo da Guarda, e, há quem tenha de se contentar com o anjo da OCDE, no caso, o senhor Angel Gurria, secretário-geral desta organização para a cooperação e desenvolvimento económico que reúne 31 democracias de países desenvolvidos, entre as quais a Democracia Portuguesa.

Angel Gurria, o nosso anjo da OCDE, esteve recentemente em Lisboa, para, entre outras considerações sobre as nossas contas públicas, defender uma subida do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), apesar de reconhecer que as receitas deste imposto aumentaram em mais de 50% nos últimos anos.

A primeira lição desta visita de Angel Gurria a Lisboa diz-nos que, afinal, não é preciso ser português para acreditar que em certas plantações de cimento nasce uma árvore frondosa e suculenta, conhecida pelo nome de árvore das patacas, fonte quase inesgotável para a voracidade de certas políticas.

Aparentemente, os argumentos do senhor Angel Gurria parecem irrefutáveis. Em Portugal, ainda nem todos os imóveis estão a ser tributados de acordo com as regras do novo regime, o que justificaria o preconizado aumento do IMI, ainda que, à condição desse aumento não se destinar às autarquias locais, para – cito – “evitar os efeitos perversos no urbanismo”.

Não sei se foi rigorosamente isto o que o nosso anjo da OCDE disse em Lisboa ou se a tradução das palavras dele não terá sofrido alguma “traição”, como muitas vezes sofrem algumas traduções. O senhor Gurria disse que era importante que parte da carga fiscal que penaliza o trabalho pudesse ser transferida para o consumo e para a propriedade, o que pode ser um pouco diferente.

Mesmo admitindo essas nuances, e, lembrando que o secretário-geral da OCDE também considerou que as opções orçamentais de Portugal estão no bom caminho, tenho de sublinhar que, entre nós, a árvore das patacas do imobiliário já foi bem sugada, por exemplo nos longos anos de congelamento de rendas, o que torna imoral esta proposta, mesmo quando adiantada por um anjo.

Isto, sem esquecer o que o próprio senhor Gurria reconhece – que as receitas obtidas pela fiscalidade do património estão a crescer em Portugal a ritmos que se vêem a olho nu, quer no que toca ao IMI, quer no que toca ao IMT (o imposto sobre transacções onerosas de imóveis, a antiga sisa), imposto que, em boa verdade, já nem devia existir.

Estas verbas, com aumentos superiores a 50 %, no acumulado do último lustro, atingem mais de mil milhões de euros, todos os anos, grande parte dos quais, retirados à bolsa de pequenos proprietários, proprietários forçados e proprietários descapitalizados. Pedir mais já não é pedir suor, é pedir também sangue e lágrimas.

Luís Carvalho Lima
Presidente da Direcção Nacional da APEMIP

Publicado dia 1 de Outubro de 2010 no Jornal de Notícias

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