Usando uma dessas aplicações para computadores, que fazem milagres na manipulação de imagens, uma revista alemã de grande tiragem enxertou um braço na Vénus de Milo e apresentou-a em primeira página a invectivar os leitores com um gesto muito ordinário, com a agravante de lhe ter colocado uma bandeira da Grécia a servir de tanga. Há alemães que são capazes de atitudes destas, em nome sabe-se lá de quê.

Há quem diga que o governo alemão pretende salvaguardar os bancos alemães que possam estar mais expostos à divida grega, como se os gregos, herdeiros de uma civilização que é uma das matrizes do Ocidente, tivessem enganado os banqueiros germânicos cujos pergaminhos culturais serão menos clássicos, e, como tal, hipoteticamente mais susceptíveis de serem enganados. Pobres bancos alemães assim expostos à perfídia grega.

Hoje, com o acesso generalizado à Internet, até um alemão consegue descobrir que a Vénus de Milo, escultura de rara beleza que representa a deusa do amor Afrodite, foi encontrada por um lavrador, na pequena ilha grega de Milos, e desviada para fora da Grécia, pela força do poder do dinheiro de quem, à época, tinha dinheiro e poder diplomático, no caso, os franceses. Nada que outras potencias, como por exemplo, o Império Britânico, não tenham feito noutras paragens.

Não me admiraria se viesse a saber que o Museu Britânico, em Londres, tem mais múmias egípcias do que o Museu do Cairo. Fraquezas muito semelhantes à de alguns cidadãos alemães que começam a admitir, inocentemente, a hipótese da Grécia poder vir a alienar algumas ilhas como penhor, devido, talvez, por exemplo, aos pobres bancos alemães expostos às dívidas soberanas de Atenas. Como se o colapso do euro pudesse ficar circunscrito à Grécia.

Como se a banca alemã que –  dizem – se atravessou pelas dívidas gregas tivesse assumido essa operação financeira em nome dos lindos olhos dos gregos. Crer neste altruísmo financeiro da alta finança germânica é tão ingénuo como acreditar que os braços da Vénus de Milo ainda poderão crescer. Pior e mais perigosa ingenuidade é julgar que o colapso da Grécia não atingirá o resto da Europa, Alemanha incluída, com um estrondo muito maior do que aquele que ocorreria se se tivesse destruído totalmente a estátua encontrada na ilha de Milos e com ela grande parte da própria alma da cultura ocidental.

Na verdade, é isso, verdadeiramente, o que está em causa: a possível harmonia das sociedades tal qual as fomos modelando, após a segunda guerra, nas chamadas economias de mercado que sustentam os regimes democráticos, o menos mau de todos os regimes, como dizia Churchill.

Luís Lima

Presidente da APEMIP

luis.lima@apemip.pt

 

Publicado no dia 23 de Setembro de 2011 no Sol

Translate »