As casas, o património construído, têm quase sempre uma segunda, às vezes, uma terceira e até uma quarta oportunidade. As pessoas, infelizmente, nem sempre. Muitos dos sete mil imóveis que já foram entregues este ano aos bancos em dação, em especial os que foram entregues por famílias são testemunhos vivos daquela realidade.
Estas casas vão ter uma nova oportunidade mas as pessoas que tiveram de se desfazer desse património poderão ter outra sorte, não sendo também garantido que aqueles que possam vir a beneficiar imediatamente desta desgraça sintam que o futuro lhes sorrirá como aparentemente parecer sorrir.
A tentação de voltar a colocar no mercado tais imóveis a preços mais do que competitivos é muito forte. Num contexto de dificuldades generalizadas, um preço verdadeiramente irrecusável pode fazer milagres na eliminação de ativos indesejáveis, mas a desregulação que tal pode causar nos mercados é uma potencial bola de neve de consequências inimagináveis a prazo.
As soluções mais tentadoras, para a recolocação dos imóveis devolvidos em dações, acabam por gerar mais e mais dações, não apenas por parte das famílias mas também por parte dos promotores imobiliários sem condições para concorrer com os preços das recolocações milagrosas de imóveis. É, potencialmente, um ciclo vicioso perigoso para a Economia no seu todo.
Felizmente, há já instituições financeiras que estão a encontrar outras soluções mais “sustentáveis” para a nossa própria Economia, cuja recuperação passa pela dinamização do setor da Construção e do Imobiliário e não pelo aniquilamento deste mesmo setor a reboque de opções que podem acabar por desvalorizar o património de quase 80% das famílias portuguesas e, na consequência, contribuir para o fim da classe média.
As casas, como se depreende, têm, quase sempre, uma segunda oportunidade. As pessoas nem sempre e com elas os próprios países. O conforto mais resguardado pelos portugueses, em especial pela geração que nas últimas décadas foi consolidando um estatuto de classe média (indispensável ao mercado interno), também pelo acesso, incentivadíssimo, à posse da casa onde vivem, esse conforto é precisamente a casa de família.
A solução escolhida por algumas instituições – que aplaudo e classifico de lúcida – em colocar os imóveis retornados não no mercado de compra e venda mas no mercado de arrendamento, eventualmente, com opção privilegiada de arrendamento para quem não conseguiu manter os encargos do empréstimo, é seguramente melhor para toda a gente.
Esta reflexão é urgente para o nosso próprio futuro enquanto Estado soberano. E um Estado, como sabemos, é um território, onde se fala uma língua comum e uma população.
Luís Lima
Presidente da APEMIP
luis.lima@apemip.pt
Publicado no dia 28 de março de 2012 no Público