A solução para o risco de desertificação de algumas das nossas periferias urbanas, risco que se traduz nos potenciais perigos da favelização, passa pela prevenção, uma prevenção que requer políticas de urbanismo diferentes e até novas políticas de concessão de crédito à habitação. É que as consequências decorrentes da transformação de tais periferias em zonas suburbanas pobres e desoladas, não se limitarão aos prejuízos a sofrer pelos promotores e ou demais proprietários.

Não vale a pena chorar sobre o leite derramado e dizer, o que seguramente também é verdade, que alguns desses conjuntos habitacionais, mesmo quando construídos para a classe média, nos tempos gloriosos dos juros bonificados, optaram por equipamentos e materiais menos modernos que hoje, dificilmente competem com a oferta imobiliária mais recente. O mais do mesmo, em opções assumidas até à exaustão, sempre nos fascinou.

Mas hoje, esse mais do mesmo envelhece precoce e rapidamente nas periferias mais acinzentadas, desesperando pelas verdes e prometidas  envolvências urbanísticas, como quem desespera por uma  segunda oportunidade, qual condenado conformado com a ausência de uma política de integração verdadeiramente digna desse nome. É o primeiro passo para o aparecimento de sinais exteriores deprimentes.

As cenas dos capítulos que se seguem são mais do que conhecidas. E tudo começa com a lâmpada da entrada do prédio que funde e fica meses sem ser substituída. E depois com o elevador que não conhece revisão há anos, elevador cuja cabine está sempre suja, a cheirar mal e a ostentar, nas paredes, pequenas frases de um inequívoco mau gosto, gravadas à navalha e ao fogo de isqueiros.

Esta temática é, infelizmente, a mesma que se equaciona quando se fala num policiamento urbano de proximidade, que atalha o mais pequeno ilícito, como aconteceu em Nova Iorque com as mais recentes políticas de segurança interna da cidade, nomeadamente a que privilegia a reparação imediata da mais insignificante das janelas partidas e que, nesta capital do Mundo, teve o condão de fazer descer o nível da criminalidade em geral.

Em Portugal, só correremos o perigo de uma degradada e degradante favelização de certas periferias urbanas se não soubermos prevenir, se ao sonharmos com uma margem de certa maneira, na poética de alguns utópicos, deixarmos que nasçam margens de más maneiras e outros muros, visíveis ou invisíveis que separam as zonas de cidades como se fossem zonas de guerra ou de conflitos mais ou menos controlados.

Não é este quadro negro o que se desenha entre nós, mas este quadro pode desenhar-se, num futuro próximo, se não soubermos ( e digo nós a querer significar o Estado, isto é, o Governo, a banca, todos nós) encontrar as soluções que podem fazer com que as nossas periferias tendam  a assumir-se mais como novos centros do que como velhos bairros. Para isso – nunca é demais repeti-lo – é preciso arriscar mais em matéria de concessão de crédito para habitação.

E o Estado terá mesmo de suportar os riscos que a banca já não quer suportar, garantindo linhas de crédito que cubram a percentagem que falta para os cem por cento, percentagem que os bancos, aqui e agora, numa prudência que já se aceitou mais, continuam a negar à generalidade de quem os procura para financiar a compra de casa. O preço de deixarmos que as coisas se componham sem qualquer intervenção será, seguramente, muito maior.
 

Luís Carvalho Lima
Presidente da Direcção Nacional da APEMIP

Publicado dia 11 de Novembro de 2009 no Público Imobiliário

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