As financeiras das marcas de automóveis conseguem oferecer crédito a taxas de juro mais baixas do que aquelas que estão a ser praticadas pela banca comercial para aquisição de casa própria. O problema é que uma família não pode instalar-se numa pickup de áreas mais generosas, nem num velho Volkswagen, tipo pão de forma, mesmo que esta carrinha clássica tenha sido transformada num estúdio ambulante para quatro pessoas, com duas camas, lava-loiça, fogão, frigorífico e mesa amovível.

A História não se repete e não estamos nem na América nem a viver os  tempos da Grande Depressão de 1929, uma realidade que o escritor e Nobel da Literatura John Steinbeck bem descreveu nas suas “Vinhas da Ira” traduzindo a saga de muitas famílias americanas, no caso de Oklahoma, que se viram obrigadas a tentar melhor sorte do Oeste, na prometida Califórnia, e partiram em velhos camiões que iam parando ao longo da estrada, em verdadeiros acampamentos temporários de sobrevivência.

Se a História se repetisse seria pelo menos mais fácil comprar casa ambulante, camião, caravana, carrinha tipo pão de forma que, uma vez adquiridas, teriam de servir como veículo de transporte para parte incerta. A História não se repete, mas é triste e preocupante que o preço do crédito para aquisição de um carro seja inferior ao preço do crédito para aquisição de casa própria, quando há crédito para este investimento. Sinal mais preocupante para o sector da Construção e do Imobiliário não haverá.

Quase, poderá dizer-se, simbolicamente, que é mais fácil adquirir os meios necessários à nossa própria fuga, interna ou externa, do que adquirir os meios necessários à nossa estabilidade, à nossa fixação na terra que escolhemos para trabalhar, para viver, para gerar riqueza e para contribuir, precisamente pelo trabalho que gera riqueza, na assunção das responsabilidades que nos cabem por pertencermos a um Povo, a um Estado e a uma Nação.

Há, nesta comparação, um certo descrédito, injustificado, que recai sobre o imobiliário português. A crise financeira da Zona Euro não surpreendeu, entre nós, uma qualquer bolha imobiliária, nem se construiu, como noutros países, tanto e a ponto de gerar cidades fantasmas. Daí a nossa perplexidade e o perigo de que ela possa transformar-se em ira, pecado menos mortal do que esse de desvalorizar e destruir a nossa riqueza construída.

Luís Lima
Presidente da APEMIP e Presidente da CIMLOP – 
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
luis.lima@apemip.pt

Publicado do dia 02 de março no Jornal de Notícias

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