A notícia do extraordinário esmero que se traduziu, já neste ano, numa redução do défice das nossas contas públicas, muito maior do que o previsto e do que o acordado com a Troika, faz lembrar a Casa de Vinicius de Moraes, aquela casa muito engraçada que não tinha tecto nem tinha nada.

Na Casa de Vinicius, “ninguém podia entrar nela, não // porque na casa não tinha chão”. Não tinha chão nem tinha parede, tendo tudo tão carente que nem era casa para receber gente. “Mas era feita com muito esmero” – cantou o poeta – “Na rua dos bobos, número zero”. A imagem é forte, mas os versos são mesmo assim.

Tal qual a notícia do esmero nesta tarefa de baixar o nosso défice. Só estávamos obrigados abaixar o défice, em 2011, para os 5,9%, mas vamos ficar, já é oficial, nas casa dos 4, muito abaixo do acordado. Nem por isso a população portuguesa parece beneficiar desse esforço que foi de todos.

Ironia das ironias, grande parte do sucesso da surpreendente descida do défice das contas públicas do Estado, fica a dever-se à utilização por parte do Estado, e para fins que não os inicialmente previstos, de alguns fundos de pensões que o Estado, mais tarde, terá de repor. A ironia está no facto de parte do dinheiro salvador ter sido amealhado por pensionistas.

Nem por isso na hora do suposto alívio, que se traduz pela quebra do défice público, há, no imediato, algum respingo desse alivio que beneficie o mais comum dos mortais, talvez o que mais precise de alguns sinais de esperança para não a perder de todo. Só faz sentido arrumar a casa se for para melhorar a vida de quem lá vive.

Tal como os bons cosméticos não vendem apenas a lanolina ou outro dos modernos produtos base da maioria destas maravilhas mas vendem, essencialmente e como está sempre a dizer um amigo meu, esperança, também os políticos não podem, ou não devem, apostar em soluções contabilísticas puras esquecendo que nem todo supérfluo é supérfluo.

Objectivamente podemos estar a registar valores extraordinários no que toca ao défice das nossas contas e a mostrarmo-nos, na Europa, como um dos alunos mais aplicados, mas podemos estar a perder uma dimensão subjectiva da nossa existência e se tal persistir atingirá ,irreversivelmente, a nosso auto-estima, ou seja, a nossa alma colectiva.

Luís Lima

Presidente da APEMIP

luis.lima@apemip.pt

Publicado no dia 24 de Dezembro de 2011 no Jornal de Notícias

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