Um amigo meu, também dado às questões da escrita, costuma dizer que mais do que escrever ele escreve-se pois o que selecciona na hora de alinhavar um texto é uma opção que o revela aos olhos dos leitores. Nada mais certo, nada mais rigoroso.

Esta apreciação serve-me, muitas vezes, de referência na hora de reflectir sobre o que relevamos na estrutura de uma notícia importante e sobre a informação que pura e simplesmente ignoramos ou que relegamos para um lugar secundário por a considerarmos menos importante.

É o caso das recentes notícias sobre o fluxo de pessoas que recorre às associações de defesa do consumidor, a pedir ajuda para ultrapassar problemas relacionados com endividamentos que ultrapassam, em muito, uma taxa de esforço total. Serão já mais de 60 por dia, o que é um número impressionante.

Se é verdade que este número é elevado, não é menos verdade que ele corresponde a uma vontade de superar o problema, não sendo também um número muito mais sensacional do que outro, incluído na mesma base de dados, que aponta para que o incumprimento em sede de créditos à habitação continue a ser, entre nós, dos mais baixos e em valores tidos por “normais”.

Neste contexto, esta significativa honradez dos portugueses no que toca ao pagamento das prestações devidas pelos empréstimos contraídos para comprar casa poderia também merecer belos e sensacionais títulos, sem distorcer o rigor da notícia em causa.

A questão é que, tal como diz o meu amigo, todos nós quando escrevemos não nos limitamos a escrever – escrevemo-nos e mostramos o que mais nos toca na hora em que hierarquizamos a informação.

Luís Lima

Presidente da APEMIP

luís.lima@apemip.pt

 

Publicado no dia 20 de Agosto de 2011 no Expresso

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