Vaqueiro que quisesse fazer atravessar, sem grandes perdas, uma manada num rio repleto de piranhas, matava e fazia sangrar um touro velho ou doente, e lançava o animal morto às águas para atrair aqueles insaciáveis peixes, enquanto a manada fazia a travessia sem problemas.  O touro sacrificado é, em português do Brasil, o chamado boi de piranha, uma espécie de bode expiatório mais corpulento.

Quando ouço instituições que são de todos nós (e que até são instituições de referência), atribuir aos riscos do crédito para a habitação, o ónus da culpa pela quebra nos lucros, penso logo no boi de piranha do meu Brasil do coração, e começo logo a pensar no mal maior que este sacrifício quer evitar ou quer simplesmente esconder.

Isto é, tanto mais lógico de se pensar, quanto é público e notório que o crédito malparado resultante dos empréstimos para aquisição de habitação própria, tem vindo a baixar, situando-se em valores percentualmente aceitáveis, em alguns casos abaixo das previsões habituais esperadas pela própria banca, para operações em tempo normal, isto é, sem a agravante da crise  financeira que se vive.

Nestes tempos de escrutínio exaustivo dos meios de comunicação social, informações, inocentemente divulgadas pela banca, a fazer do crédito à habitação o mau da fita, pelos resultados dos próprios bancos, faz temer, a médio prazo, ainda maiores restrições na concessão de crédito, numa opção que pode parecer, numa primeira análise, saudável mas que configura a velha máxima popular de quem vaticina que às vezes morre-se da cura.

A recuperação económica que todos dizemos perseguir passa pela seiva do crédito, em todos os sectores, nas grandes, e, principalmente nas pequenas e médias empresas, e dentro dos sectores em áreas como as da fileira da Construção e do Imobiliário, cuja actividade  normal é também fundamental a montante e a jusante. Fechar a torneira, apertar este fluxo vital, pode muito bem causar um colapso de consequências imprevisíveis.

Tudo isto, sem esquecer que no presente contexto até se justifica que certas instituições, nomeadamente aquelas que são de todos nós, e que, fazem parte do tecido estratégico empresarial do Estado, devam assumir ainda maiores riscos do que aqueles que normalmente assumem. Os grandes remédios para certos males passam pelo aumento dos riscos, não pelo contrário.

Luís Carvalho Lima
Presidente da Direcção Nacional da APEMIP

Publicado dia 5 de Março de 2010 no Sol

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