Uma observação mais aprofundada dos dados que sustentam a leitura das dinâmicas do sector imobiliário, no primeiro trimestre de 2012, mostra-nos que, nos oito municípios mais flagelados pelo fenómeno das dações de imóveis por incumprimento do pagamento de créditos, os imóveis nestas circunstâncias provenientes de promotores superam os provenientes de particulares.

No todo nacional, a fatia de leão ainda recai nas dações feitas por particulares mas a tendência verificada nos oito municípios mais penalizados (quatro dos quais do Algarve e dois da Região Autónoma da Madeira) indicia, infelizmente, o que há muito vinha alertando, isto é, que algumas soluções apressadas para escoar estes imóveis podem gerar mais dações  e mais a montante, como é o caso da promoção.

Confirma-se assim que, esse indesejável ciclo vicioso que começa nas dações de imóveis por particulares (gerando acumulação indesejada de stocks de casas) e ensaia a recolocação dessas mesmas casas no mercado a preços sem concorrência, está a gerar uma desvalorização do património e a provocar o aumento das próprias dações já a partir da promoção imobiliária..

As famílias portuguesas, em especial as da chamada classe média que sustentaram o crescimento do mercado interno, como sempre acontece, estão a enfrentar dificuldades crescentes e a chegar ao limite do esforço (pelo aumento dos impostos, pela diminuição dos rendimentos, pelo aumento do desemprego) numa situação nada favorável à recuperação que o país precisa e quer.

A ideia muito oitocentista e novecentista de que os proprietários de bens imóveis são, em Portugal, cidadãos possuidores de riqueza acima da média há muito, mais precisamente no último quartel do século XX que deixou de ser rigorosa. A classe média está a empobrecer. Por outro lado, ascender ao estatuto de proprietário da casa onde vive foi, nas últimas três décadas, a única alternativa real para solucionar o problema da habitação.

A “explosão” imobiliária portuguesa dos anos 80 e 90 do século passado traduziu-se num enorme património construído que entretanto, por razões que poderão merecer outra reflexão mas que hoje não vêm para o caso, está a carecer de profundas obras de manutenção e até de reabilitação como os centros históricos das nossas principais cidades, que nestes mesmos 30 anos sofreram profunda degradação e desertificação.

Isto é, grosso modo, o que queremos dizer quando dizemos que, neste sector, o ciclo da quantidade está a chegar ao fim e a dar lugar ao ciclo da qualidade pela Reabilitação Urbana e inevitavelmente pela dinamização do Mercado de Arrendamento Urbano, sazonal ou duradouro. Mas esta mudança de paradigma não funcionará se o investimento neste sector continuar a ser mais penalizado do que o investimento noutros sectores e se não se travar o fenómeno da desvalorização do património construído que está a ser gerado pelas soluções apressadas para o problema das dações indesejáveis de imóveis.

O Estado, que somos todos nós, tem de travar este desnorte no sector imobiliário e principalmente esta tendência para que a situação alastre para montante, sob pena de perdermos mais uma oportunidade capaz de contribuir decisivamente para o crescimento da nossa Economia e para a resolução de alguns problemas graves, à cabeça dos quais o do desemprego.

Luís Lima

Presidente da APEMIP

luis.lima@apemip.pt

Publicado no dia 23 de abril de 2012 no Jornal i

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