Volta a falar-se, novamente, de uma Europa a duas velocidades, em ritmos desfasados face à previsível e já iniciada subida dos juros das taxas de referência do Banco Central Europeu (BCE) cuja diminuição, no passado recente, muito beneficiou economias mais frágeis como a nossa, beneficiando, em particular, quem contraiu empréstimos para aquisição de habitação própria.

O regresso dos juros para os valores considerados adequados, a travar a inflação em países europeus onde o produto interno bruto está a crescer acima da média europeia, será o recomendável para a boa saúde desses países mais ricos e / ou mais competitivos mas é uma má notícia para todos os países que foram brutalmente atingidos pela presente conjuntura internacional, incluindo efeitos colaterais das chamadas dívidas soberanas.

O nosso mercado imobiliário marcado pela existência de quase 80% das famílias portuguesas proprietárias das casas onde vivem, por uma degradação acentuada do património imobiliário de alguns centros históricos e por constrangimentos ao desenvolvimento do mercado do arrendamento suporta com dificuldade um acréscimo das taxas de juro, num cenário já de si mau como é o da dificuldade do acesso ao crédito. Apesar do imobiliário português continuar a ser um excelente e seguro investimento face à inexistência, no passado mais recente, de qualquer bolha imobiliária.

O sector português da construção e do imobiliário, hoje fixado nos vectores nucleares da qualidade, da sustentabilidade e do primado da vontade da procura face às tentações da oferta, está vocacionado para voltar a assumir-se como uma das locomotivas do nosso próprio desenvolvimento (e nesta medida também do desenvolvimento da Europa), mas não suportará por muito tempo um regresso de uma Europa dividida em várias velocidades, já não apenas as duas velocidades de um passado ainda não muito distante, mas três ou mais ritmos diferentes com os consequentes destinos diferentes.

Se a tudo isto juntarmos a instrumentalização do imobiliário, pelos diferentes níveis de poder público, numa óptica de maximização da receita fiscal, em detrimento da sua utilização como instrumento de gestão territorial e de alavancagem económica do país, a médio e longo prazo, as notícias que nos chegam do BCE não são as melhores, salvo no que toca à desautorização, mais do que justa das agências de notação, publicamente assumida por Jean-Claude Trichet. Reprimenda que, em boa verdade, já não chega.

Luís Lima

Presidente da APEMIP

luis.lima@apemip.pt

 

 

Publicado no dia 16 de Julho de 2011 no Jornal de Notícias

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