Há uns anos, durante outra crise instalada em Portugal, um partido político que se afirmava pela juventude dos seus militantes e por palavras de ordem fortes e secas, assinava em muitas paredes do país uma sentença política e social que muitos ainda recordarão – “os ricos que paguem a crise”.

Na presente crise, que alguns preferem classificar como uma mudança de paradigma em curso, os grafitos políticos que poderiam aparecer nas paredes, com palavras de ordem de indignação contra a actual política fiscal, seriam seguramente parecidos mas em defesa de outros segmentos – os da classe média.

Sabe-se hoje, com o rigor das estatísticas, que as famílias com rendimentos anuais até 40 mil euros estão a assegurar, desde 2012, o pagamento de metade do IRS, com tendência para um crescente agravamento. Esses contribuintes baixaram para rendimentos mensais médios de cerca de 1500 euros ilíquidos e enfrentam crescente aumento de impostos.

Segundo números insuspeitos da Autoridade Tributária, os escalões abaixo dos 40 mil euros por ano são responsáveis por um aumento significativo da receita fiscal, enquanto que as famílias com rendimentos anuais entre os 100 mil e os 250 mil euros/ano estão a pagar menos 17,5% do que pagavam em sede de IRS. Isto é sempre notícia de primeira página em qualquer país de imprensa livre.

Na memória descritiva destes números poderá ler-se que há cada vez menos famílias ricas a pagar impostos. Dados da Autoridade Tributária vindos a público provam que o número de famílias do escalão de rendimento entre os 100 mil e os 250 mil euros anuais baixou em 8626 famílias do ano de 2011 para 2012.

Se se recuar até 2010 a quebra de receitas do Estado junto destes segmentos altos foi superior a 250 milhões de euros. Poder-se-á dizer que os ricos podem deixar de temer que venham a ser eles os bodes expiatórios desta crise – agora quem tem razão para tremer é a classe média com a agravante de ser a classe média o cimento do mercado interno e a chave do crescimento.

Com este agravamento para a classe média e por inerência para uma fatia muito significativa das famílias portuguesas, as perspectivas de crescimentos e de recuperação parecem menos exequíveis, perspectivando-se mais uma implosão do modelo de sociedade que fomos projectando como sendo o da Europa próspera a que queremos pertencer.

As abruptas quedas na pirâmide social a atingir um vasto número de profissionais que julgávamos seguros no patamar em que os conhecíamos, têm de ser invertidas sob pena de deixarmos de poder gerar e distribuir a riqueza num quadro de uma Economia competitiva e de uma sociedade solidária com preocupações sociais.

Estas profundas alterações da pirâmide social têm um efeito demolidor na sociedade. A desregulação que inevitavelmente geram é dramática e vai muito para lá da simples anulação de alguns sectores da população cujos rendimentos determinavam hábitos de vida que muito ajudavam a fazer funcionar alguns mercados.

 

Luís Lima
Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
presidente@cimlop.com

Publicado no dia 26 de Maio de 2014 no Jornal i

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