Faço uma espécie de zapping nos jornais da semana e nos jornais do fim-de-semana de Carnaval, lendo as mais gordas, e sabendo que é, sobre esse enorme ruído destes dias, que quero escrever o meu texto desta quarta-feira de cinzas.
Ouço, em fundo, um velho samba de Luiz Carlos Paraná, o “Maria, Carnaval e Cinzas”, um samba velhinho, primeiramente cantado por Roberto Carlos, um samba que contava que “morreu Maria, quando a folia // na quarta-feira, também morria”.
Paraná, numa das canções deste tempo que parece ter ficado para sempre, disse ainda que ela, Maria, “viveu apenas um Carnaval”, acrescentando como sentença ressacada muito própria desta quarta-feira que, “foi de cinzas seu enxoval”.
Por estes dias, também as mensagens que inundam o noticiário político dos nossos jornais, parecem ter o destino efémero do Entrudo, gerando uma sensação de vazio que degenera em angústia quando pensamos que pode não haver quarta-feira que lhe ponha termo.
Não é bom para a recuperação económica que todos queremos, nomeadamente para a captação de investimentos estrangeiros que nos mobiliza a todos, este clima de guerrilha constante de quem apoia e deixa de apoiar numa permanente tensão paralisante.
Subitamente, tentando sobrepor-se à amálgama de ruídos dos títulos gordos dos recados políticos deste dias (demarca-se, opõe-se, está refém, desafia, recua, não comenta), alguém diz que, pior do que um mau Governo é um governo que não governa, sentença que aplaudo.
Há nesta impotência do país real – sendo certo que os políticos também fazem parte do país real – um travo de imaturidade democrática que já não pode ser desculpada como uma espécie de doença infantil, pois é suposto que a nossa democracia tenha atingido a idade adulta.
Com a ousadia com que disse que o ritmo do mercado imobiliário deve ser, prioritariamente ditado pela procura e não pela oferta, digo, sem pretender ir além da chinela, que, na política é também a procura, aqui chamada de eleitorado, quem deve ditar o comportamento dos políticos.
A imagem de ingovernabilidade, que às vezes, todos nós, da Oposição à Situação, deixamos transparecer para o exterior, pouco ou nada ajuda a credibilizar o nosso país, sendo certo que, em muitos aspectos, somos um país credível e viável.
Talvez esta quarta-feira de cinzas, que marca o início da Quaresma, um período de algum jejum e muita reflexão, possa, por analogia, contagiar o momento politico, emprestando-lhe a serenidade que lhe tem faltado e que, para já, apenas alimentou muito corso carnavalesco.
Luís Carvalho Lima
Presidente da Direcção Nacional da APEMIP
Publicado dia 17 de Fevereiro de 2010 no Público Imobiliário