Quem ainda põe açúcar no café e faz com que ele se dissolva, mexendo-o com uma colher adequada, tem a noção exata da vertigem que se gera com tal movimento, um mini redemoinho cuja vorticidade (para usar uma expressão da dinâmica dos fluidos), se exagerada, pode fazer com que o café salte fora da chávena e se perca todo. 

Esta não é, como toda a gente reconhecerá, a melhor forma de apreciar e beber um bom café, desde logo pelo que se perderá sem que ninguém aproveite, com todas as consequências negativas para quem produz café, para quem comercializa café, para quem precisa e aprecia café e até para gente que se arrisca a levar com salpicos do café, mesmo nada tendo a ver com ele. 

Mal comparando, a tentação de fazer escoar com uma dinâmica próxima de um redemoinho gigantesco o património imobiliário que se transformou em ativo indesejável pelo efeito de dações inesperadas, essa tentação pode gerar efeitos ainda mais indesejáveis sem qualquer garantia de fazer travar as pressões que provocam tais dinâmicas incontroláveis. 

Na verdade, quando a solução para controlar movimentos arriscados está muito perto de pisar a linha que separa um mercado equilibrado e sereno de um mercado desregulado e sem valores de referência, minimamente credibilizados, o perigo de descontrolo total cresce e com ele, a prazo, a completa e artificial desvalorização do nosso património construído. 

Não podemos ignorar o aumento das dações de imóveis por incumprimento das obrigações com os créditos para aquisição de habitação, mas não podemos pensar, iludidamente, que recolocar, a qualquer preço, tais imóveis no mercado possa ser solução para quem os acumulou em stock indesejado e, muito menos, solução que contribua para superar o mau momento da nossa Economia. 

Podemos e devemos aprender com os erros dos outros, por exemplo com os erros da Espanha, nesta matéria, país que, ao contrário de nós, conheceu uma bolha imobiliária recente e que ao tentar solucionar pontualmente alguns problemas criados acabou por desvalorizar o património imobiliário no seu todo com “rebajas” no preço das casas mais adequados a saldo de roupa em fim de estação. 

É fácil ver que, assim, todos sem exceção perdem, incluindo o país e aqueles que pensam que estão a ganhar.

Luís Carvalho Lima

Presidente da APEMIP

luislima@apemip.pt

Publicado no doa 20 de abril de 2012 no Diário de Notícias

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