É velha e remonta aos finais do século XIX princípios do século XX a imagem caricatural das Finanças Públicas, ou fisco, cuja voracidade está bem retratada numa gravura de Rafael Bordalo Pinheiro que não tem qualquer problema de chamar às Finanças o grande cão.

Refletindo a voz popular desses tempos, o primeiro grande caricaturista português apresentou as Finanças Públicas como um odioso animal cuja fome ancestral não conhece limites nem situações especiais que a possam controlar e moderar.

Mais de cem anos depois, o fisco, que é como quem diz as finanças públicas, continuam a ter idêntica voracidade, sem qualquer controlo e moderação, virtudes que a situação extraordinária que hoje vivemos em Portugal aconselhariam como prudentes e necessárias.

Nos últimos oito meses, o Estado tem vindo a penhorar uma média de dois mil e oitocentos contribuintes por dia, num aumento superior a 35% relativamente a 2011, graças – diz-se – à conclusão do processo de informatização para as penhoras do Estado.

Logo agora, que seria necessário adoptar uma maior tolerância para com muitos contribuintes em falta, que têm as respetivas obrigações em atraso por manifesta impossibilidade de o fazer a tempo e horas como desejariam, é que a informática deu tamanha eficácia a quem tem de penhorar bens.

Tão grave como esta insensibilidade informática é a visão limitada de quem quer arrecadar o máximo no mais curto espaço de tempo, não hesitando a vender depois, ao desbarato, os bens penhorados, especialmente quando são bens imobiliários, contribuindo, como já disse noutro contexto, para acentuar a suicida tendência para a desvalorização forçada do património construído.

A um ritmo crescente e a preços pouco mais que simbólicos, o fisco está, repito, muito mais do que a leiloar o que arrecadou em execuções, a insistir na tentação da desvalorização fácil deste património, o que resolverá problemas de curto prazo mas gerará muitos outros e mais graves a médio e a longo prazo.

Já nem as instituições financeiras, pelo menos as mais importantes, estão a adoptar medidas tão drásticas contra quem entra em incumprimento, aceitando renegociações das dívidas e oferecendo condições de pagamento mais favoráveis e mais realistas a quem deve e quer pagar, ou seja, a muitos dos contribuintes em dívida, a maioria dos quais não são devedores de má-fé.

Às vezes, há mais sensibilidade social, por razões eventualmente só pragmáticas, no sector privado do que no sector público, mesmo quando o público representa um Estado Social e de Direito. Eis uma reflexão a aprofundar neste tempo de exceção que por ser precisamente de exceção requer soluções verdadeiramente excepcionais.

Luís Lima
Presidente da APEMIP
luis.lima@apemip.pt

Publicado no dia 5 de novembro de 2012 no Diário Económico

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