Na sequência, creio, de uma queixa apresentada por uma associação de utilizadores e consumidores de serviços e produtos financeiros, a que se juntaram dúvidas formuladas por um deputado da maioria, a Autoridade da Concorrência emitiu um parecer a negar a existência de quaisquer indícios de violação das regras da concorrência na venda de imóveis pelos bancos.
Em causa estão as condições excepcionais ao financiamento para a aquisição de casas que integram os stock de ativos imobiliários dos bancos, comparativamente às condições oferecidas para financiamentos destinados a aquisição de outros imóveis. Este ainda é um problema real mas o seu enquadramento já mudou desde que foram formuladas as queixas.
Ao recolocar-se esta questão na agenda mediática, sem o enquadramento que o tempo que mediou entre as queixas e o parecer obrigaria, corre-se um risco que devia ser evitado – o de se criar fatos políticos novos, desfasados no tempo. É o risco das decisões assumidas fora do tempo.
Que muitas instituições financeiras quiseram apostar nesses caminhos do favorecimento ao financiamento dos imóveis próprios e do desfavorecimento dos demais, ninguém dúvida, nem, julgo eu, a autoridade da concorrência. Mas o que importaria também dizer sobre esta matéria é que a maioria dessas instituições já arrepiou caminho ao perceber que tal opção só iria gerar mais dações de imóveis e mais desvalorização do património construído.
Sabendo-se, como se sabe, que o valor do crédito para a habitação anda próximo do valor do Produto Interno Bruto na média dos anos recentes, apostar no aparentemente fácil escoamento de ativos imobiliários por aquela via iria desregular o mercado e multiplicar várias vezes o montante do crédito mal parado com todas as consequências desta possibilidade. A crescente consciência desta realidade mostra quão insuficiente é reduzir a questão a potenciais atropelos no campo da concorrência.
Tudo isto, ao que parece, pelo atraso de um mês face às dúvidas levantadas pelo deputado da maioria, atraso que, relativamente às queixas da tal associação de utilizadores e consumidores de serviços e produtos financeiros, ainda é maior. É que, neste entretanto, a própria banca, com pouquíssimas exceções, já percebeu que as dúvidas levantadas quanto à oportunidade de certas práticas comerciais, visam a defesa da própria banca e não o contrário.
Estamos todos nesta mesma barca, interessados em devolver ao imobiliário o papel dinamizador da Economia que possui, especialmente entre nós, onde soube evitar as bolhas imobiliárias, tem espaço para crescer e movimenta uma riqueza que custou a criar, mas até está razoável e equitativamente distribuída.
Reacender a questão da possível existência de indícios de violação das regras da concorrência, na venda pelos bancos de imóveis próprios, já é um debate incompleto que, sem este enquadramento, irá gerar muito ruído, desnecessário e perturbador para a serenidade que devemos ter se quisermos realmente apostar na recuperação da nossa Economia.
Luís Lima
Presidente da APEMIP
luis.lima@apemip.pt
Publicado no dia 10 de outubro de 2012 no Público