Há dois dias, por força de um convite da TVI para comentar, em estúdio, uma interessante reportagem sobre as contas que temos de fazer à vida, pude fugir aos fortes ventos e à chuva intensa que fustigou o Norte, o mau tempo  que, ontem, teve honras de primeira página em todos os jornais.

Na gíria jornalística, a fazer fé numa conversa que ouvi, em tempos, a um jornalista com quem privo, às vezes, à falta de notícias mais sensacionais, era preciso “puxar pelo rio”, ampliando a cheia à altura razoável de um título ao menos humedecido pelas lágrimas dos leitores.

Hoje, já não será preciso “puxar pelo rio” para conseguir provocar alguma sensação mais forte, pois, se é possível escapar à fúria do vento e à chuva, é quase impossível evitar a lamúria da crise mesmo a circular, pela noite escura, na A1, como quem foge do mau tempo em horário nobre.

Do que, infelizmente, não podemos fugir é da nossa atitude, quase sempre pessimista, perante a adversidade, um fado triste que, para minha agradável surpresa, foi desmentido na reportagem “contas à vida”, um trabalho sobre a crise que conseguiu manter acesa a esperança no futuro.

O programa – não exclusivamente virado para o imobiliário e que focou, neste particular, um caso de sucesso centrado numa permuta de imóveis -, o programa ganhou outra cor quando descobriu e divulgou como é possível fazer com que as contas de vida possam dar certas na adversidade.

Retive, na memória, a experiência do chefe de alta cozinha bósnio Ljubomir Stanisic, cujo primeiro restaurante em Portugal teve de fechar, por falta de rentabilidade, dando lugar a um outro, tão criativo e com a mesma qualidade de anterior, mas redimensionado para adquirir a rentabilidade necessária.

A grande lição desta atitude – que também pode e deve ser aplicada à construção e ao imobiliário – é a de que, jamais, podemos ceder na qualidade dos nossos produtos ou dos nossos serviços embora possamos, em nome das contas que temos de fazer à vida, de redimensionar a nossa oferta.

No primeiro restaurante do chefe bósnio a oferta é que parecia ser determinante – funcionou durante algum tempo mas acabou por se tornar insustentável.  O sucesso da segunda experiência reside apenas no facto dela ter passado a ser determinada pelo ritmo da procura.

Sem por em causa a qualidade – o que é, verdadeiramente, um ponto de honra intocável – a verdade é que, na alta cozinha como no imobiliário, essa opção pelo ritmo da procura pode ser determinante para o sucesso. Isso e as intervenções pontuais que os momentos de aperto sempre exigem.

Publicado dia 23 de Dezembro de 2009 no Público Imobiliário

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