Quando chega o Verão, dizem os especialistas em comunicação, é vulgar ler-se, ouvir-se ou ver-se notícias que noutras épocas do ano teriam menor dimensão ou nem sequer seriam notícia.

Na manhã em que alinhavo esta reflexão vejo, na mostra televisiva das primeiras páginas dos jornais, uma manchete de um deles, por sinal dos mais conhecidos, onde o que salta é a manchete “Costa tira filha da noite”. Numa leitura mais cuidada percebe-se que, por questões de segurança, a filha do primeiro ministro deve deixar um emprego que ocorre à noite.

O problema das serpentes de Verão (expressão que abarca, sob o nome de uma das mais clássicas noticias deste sub género, todas estas noticias potencialmente equívocas) é o efeito que gera no público alvo. Nunca foi confirmado que alguma criança tenha morrido mordida por uma serpente que vinha escondida num carrinho de brincar importado de lugares onde há serpentes venenosas, mas esta notícia já terá sido repetida, vezes sem conta, em muitas épocas altas.

O ideal para que essas notícias tenham pernas para andar é que haja alguma verdade nos enquadramentos das próprias notícias. E depois é o que se sabe. Talvez seja verdade que um imóvel com vistas para um cemitério possa beneficiar desta localização em sede de IMI, sem que o contrário – um imóvel com janelas de onde se veja um estádio de futebol – deva ser razão para o agravamento do imposto. O que não parece razoável é que possa ser manchete num jornal.

Terá sido assim tão imprudente, tão ingénuo e tão condenável que políticos no activo tenham aceitado convites para irem de avião ver jogos da seleccão nacional de futebol no recente Euro 2016? O futebol não tem sido, nos últimos anos, um palco de promoção mediática para muita gente que anda na política e até para gente desta ârea que nunca teve vontade de jogar futebol? Quem convida conta com a projecção mediática dos convidados para recolher algum prestígio pela acção de, como direi, marketing.

Isto faz parte do que muitos especialistas classificam de sociedade do espectáculo, uma sociedade que vai funcionando para o bem e para o mal. Depois é mais cheque ou menos cheque devolvido, muitas boas e irrepreensíveis palavras sobre transparência sem esquecer as insinuações de que, lá no fundo, uma empresa sonhará livrar-se de um multa de milhões com uma entrada para um jogo a disputar no Estádio de França.

Talvez todo este ruído possa ser imputado à febre que caracteriza os tempos que antecedem as férias de alguns protagonistas da vida pública, como muito bem referiu há dias o senhor Presidente da República. Mas não deixa de ser ruído que mantém crispações e desconfianças no ar, munições, quem sabe, utilíssimas na hora do regresso.

A regra deve, ou devia ser, a de nos comportamos sempre bem, com bom senso e sabendo, por exemplo, avaliar o que é aceitável aceitar sem qualquer sombra de pecado e sem que nos possamos sentir a vender a alma ao diabo. Isto evitaria a necessidade, pelos vistos tão sentida por muitos, de vigiar os comportamentos alheios na convicção, provavelmente autêntica, de que esta vigilância os torna bacteriologicamente puros, ou seja, insípidos, incolores e inodoros como a água pura e cristalina. 

Luís Lima
Presidente da CIMLOP
presidente@cimlop.com

Publicado no dia 8 de Agosto de 2016 no Jornal i

Translate »