Talvez seja inconstitucional cortar os subsídios de férias e de Natal a uns deixando que outros mantenham intactos os catorze meses de ordenado. Ou talvez não. Talvez tivesse sido mais avisado obrigar todos a pagar um imposto especial sobre tais subsídios, deixando a todos uma parte desses mesmos subsídios. Ou talvez não.
Nas primeiras conversas sobre esta matéria, uma das justificações dominantes, certamente errada, apontava para a ideia de que o Estado, ao negar aos seus servidores os subsídios de férias e de Natal, estava apenas a reduzir despesas do Estado. Tal expediente não poderia ser alargado ao sector privado pois aí não seria o Estado a beneficiar dessa poupança.
Agora, no atual contexto jurídico constitucional, em nome da mãe de todas as leis, como se denomina a Constituição na gíria do Direito, ou comem todos ou não há igualdade e o imbróglio irá resolver-se para o ano com o alargamento universal dos cortes, solução ao que parece impossível este ano pois parte daquela poupança já lá vai e não há como reavê-la.
Aos olhos do comum dos contribuintes, aquela poupança nas despesas do Estado vai transformar-se, no próximo ano num imposto universal, a fazer fé nas boas intenções dos nosso governantes que nem em sonhos admitem contrariar as decisões inapeláveis da última instância jurídico-constitucional.
Embora, a última instância não tenha de ser sempre a douta decisão do tribunal de topo. Os interesses do Estado, de todos quantos vivem e trabalham neste território, sobrepõe-se a todas as interpretações. Como aliás o prova o próprio acordão do Tribunal Constitucional, anulando a inconstitucionalidade dos cortes durante 2012.
Até aqui tudo certo e a fazer justiça a Ulpiano, o jurista romano que fixou os três princípios básicos do nosso Direito – viver honestamente (honeste vivere), não ofender ninguém (alterum non laedere) e dar a cada um o que a cada um pertence (suum cuique tribuere). O que já não será tão certo é que a anunciada imposição de mais austeridade seja do interesse do Estado.
Queira ou não quem nos governa, escudados ou não nos meritíssimos e doutos juízes do tribunal de última instância, mesmo que só a partir do próximo ano de 2013, o anunciado maior aperto dos cintos e dos espartilhos que quase nos tolhem a respiração afigura-se pouco adequado aos interesses nacionais, ou seja, aos interesses de quem aqui vive e trabalha. Portugal não aguenta.
Luís Carvalho Lima
Presidente da APEMIP
luislima@apemip.pt
Publicado no dia 13 de julho de 2012 no Diário de Notícias