Sendo certo que o Estado somos todos nós, é mais evidente que a ideia que fazemos de Estado passa, num sentido mais apertado, pelos representantes do Poder, seja do Poder Central, seja do Poder Local. São eles quem dá  o rosto por essa entidade a que chamamos Estado e que academicamente dizemos ser uma pessoa de bem, uma pessoa coletiva de bem.

Neste universo estão os políticos dos cerca de uma centena de municípios (30% do total) que decidiram aumentar o IMI nos respetivos concelhos, como se não bastasse a reavaliação em curso do património imobiliário construído e como se não bastasse a austeridade, em dose quase fatal, que a esmagadora maioria das famílias portuguesas está a suportar.

Estado são também aqueles “engenheiros” das novas fiscalidades que decidiram, seguramente em nome dos superiores interesses da nação,  dividir as notificações do IMI pelos membros dos casais, exigindo a cada um metade do imposto para poder tornear as cláusulas de salvaguarda dos aumentos deste imposto. Torneando e distorcendo o espírito da lei.

Com este expediente, a cláusula de salvaguarda deixou de ser um instrumento de defesa dos contribuintes, capaz de retardar a subida abrupta do Imposto Municipal de Imóveis para passar a ser apenas a fórmula encontrada para apaziguar o descontentamento, lançando a falsa ideia da diluição no tempo dos agravamentos da fiscalidade sobre o património.

Esta habilidade do Estado, no sentido mais pequeno do termo, faz lembrar um quadro de 1929 do pintor René Magritte, denominado “a traição das imagens”, quadro que reproduz, de forma muito realística, um cachimbo e onde se lê, em francês, a frase “isto não é um cachimbo” (“Ceci n’est pas une pipe”), o que é rigorosamente verdade pois é apenas a reprodução de um cachimbo.

O quadro de Magritte não é um cachimbo, embora pudesse, à primeira vista, parecer que o era, tal qual a legislação que instituiu as cláusulas de salvaguarda dos aumentos do IMI não foi pensada para salvaguardar o que pretenderia salvaguardar. Em consequência também o Estado não está, neste particular, a comportar-se como a pessoa de bem que tanto gosta dizer ser.

O bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, Domingues Azevedo, citado há dias num canal de televisão, garantia que o legislador ao criar estas cláusulas de salvaguarda pretendia acautelar os interesses dos contribuintes, agora traídos com esta interpretação muito personalizada da legislação que na verdade anula a aplicação da referida cláusula de salvaguarda.

O fisco, claro, tem outras interpretações, mais convenientes para a imagem de pessoa de bem que o Estado deveria cultivar, pelo menos num Estado de Direito como o nosso ou como é suposto que seja o nosso Estado. Uma verdadeira desilusão para muitos portugueses que jamais pensaram testemunhar esta “traição” reveladora do desespero que se apossou de muita gente que representa o Estado.

Isto não ajuda, seguramente, a criar a unidade que Portugal precisa para superar o momento difícil que vive contribuindo precisamente para o contrário. Isto é fazer aumentar a austeridade que estamos a suportar elevando-a a limites verdadeiramente insuportáveis e impensáveis.

Luís Lima
Presidente da APEMIP e da CIMLOP – 
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
luis.lima@apemip.pt

Publicado no dia 8 de abril de 2013 no Jornal i

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