Uma das mais conhecidas obras de Dali, um óleo que pertence à coleção do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque (A Persistência da Memória, de 1931), a obra dos relógios pendurados que parecem estar a escorrer e que, por isso, dificilmente se esquece, faz-nos refletir sobre duas das maiores preocupações humanas: o tempo e a memória. 

Estas duas dimensões da vida – o tempo e a memória – devem também estar presentes quando refletimos sobre a nova lei do arrendamento urbano para não cairmos na facilidade com que alguns dizem que a lei é ainda insuficiente enquanto outros clamam contra ela, por a considerarem excessiva e ao serviço exclusivo dos proprietários.

A nova legislação não é perfeita, precisará de ajustamentos futuros, cuja dimensão ainda desconhecemos, mas é um corte com uma longa prática distorcida do mercado de arrendamento urbano, que atravessou praticamente todo o século xx numa reiterada e injusta solução para a impotência do Estado, no que respeita às suas obrigações para com as populações mais carenciadas.

Sem qualquer justificação, o Estado Português, ao longo de vários regimes, incluindo o Democrático, transferiu para os proprietários dos imóveis destinados a arrendamento as funções sociais do próprio Estado no que ao Direito à Habitação diz respeito. Em certos momentos por impotência orçamental, noutros por facilitismo e quase sempre por calculismo político.

O resultado é conhecido – décadas de rendas congeladas e de degradação dos centros históricos a par de um crescente número de casos de inquilinos que deixaram, sem razão visível, de pagar as rendas devidas usufruindo da ocupação ilegítima de um bem alheio durante um tempo, tantas vezes longo, que a morosidade da justiça lhes proporcionava.

Daí a importância em evitar a tentação de discutirmos a lei como se ela fosse a mais recente manifestação de uma guerra entre senhorios e inquilinos. Dando mais segurança aos proprietários contra os abusos dos inquilinos de má-fé e remetendo para as leis do mercado o valor das rendas (desejavelmente inferiores às das prestações devidos por créditos à habitação), esta lei é um passo em frente que devemos saudar.

Reduzir a discussão deste salto legislativo (indispensável para dinamizar o sector imobiliário mormente pela via da Reabilitação dos Centros Urbanos), a um debate em torno de insensibilidades ou sensibilidades sociais, que a lei também contempla, é desviar a atenção do que é importante.

Luís Lima

Presidente da APEMIP e Presidente da CIMLOP

Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa 

luis.lima@apemip.pt

Publicado no dia 16 de novembro de 2012 no Diário de Notícias

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