O normal é fazer das tripas coração, é transformar alguma fraqueza num sopro de força, não o contrário, isto é, fazer das forças, mesmo que poucas, fraquezas, pintando o cenário de negro escuro e dizendo que a situação está ainda pior do que se pensa. Isto é quase dar um tiro no próprio pé.
Saudável é, convocar toda a nossa energia para enfrentar os desafios. Não o contrário, ou seja, transformar uma dificuldade superada, mesmo que superada com muito esforço, numa quase derrota, desmerecendo nos resultados obtidos e nos efeitos que possam gerar.
O exemplo das análises à primeira emissão de dívida pública portuguesa em 2011 (que registou maior procura do que emissões anteriores e também foi colocada com juros mais baixos), é eloquente – apesar do sucesso da operação muita gente desatou a somar-lhe uma série de mas e de mais mas.
Não se ouviu, previamente, ninguém alertar para quaisquer malfeitorias que pudessem advir do facto da dívida poder ser comprada por A em vez de ser comprada por B. Mas depois da emissão, levantou-se um coro agoirento de vozes preocupadas com a possibilidade do comprador ser a China.
Traduzindo o verdadeiro sentido destas preocupadas análises, dir-se-á que Portugal, que precisa de se financiar no mercado, parece só estar autorizado a fazê-lo junto dos chamados investidores que elevam o juro e que só confiam no FMI, como garante do dinheiro que emprestam.
Até parece que os juros, com a ajuda interessada das agências de rating, sobem para forçar a entrada dos guardiões do FMI e, desta forma, garantir que o dinheiro emprestado será cobrado na hora acordada e com os elevados lucros também acordados.
O chamado mercado onde estes financiamentos podem ser conseguidos, é uma espécie de enorme casa de penhores onde os prestamistas avaliam sempre por baixo as garantias dadas para a obtenção do empréstimo, espreitando a hipótese da falência total do cliente.
Na verdade, o que alguns pretendem é que o investimento que estão dispostos a fazer, investimento que já rende juros acima do razoável, ainda garanta uma série de privilégios capaz de assegurar que o empréstimo será utilizado conforme os interesses do investidor.
Que os prestamistas internacionais queiram que os respectivos investimentos tenham os privilégios, de uma esmola tão hipócrita que só é concedida se puder determinar a vontade do pedinte, entende-se. Mas que seja o próprio pedinte a humilhar-se perante o benfeitor, já é menos compreensível.
Os investidores que vivem nesses mercados, e que mais parecem especuladores encartados, são como certos “beneméritos”, tão bons e tão generosos que acabam, um dia, por mandar construir um hospital para os pobres, mas só depois – claro – de terem feito os pobres.
Luís Carvalho Lima
Presidente da APEMIP
Publicado dia 19 de Janeiro de 2011 no Público Imobiliário