Em Portugal, por razões históricas conhecidas, o direito à habitação, recentemente consagrado constitucionalmente, cumpre-se mais no sonho da propriedade da casa onde se vive do que em soluções de arrendamento urbano, até mesmo quando se sabe que certa opção habitacional é temporária. Isto sem esquecer que a propriedade imobiliária é sinal exterior de classe média e que esta é a coluna dorsal da democracia, nas economias de Mercado e nos Estados de Direito.

Não foi sempre assim. O sonho de ter casa própria sempre existiu e até foi o motor que fez com que muitos portugueses se aventurassem pelos caminhos, tantas vezes muito difíceis, da emigração. Só quando a sociedade se abriu e esta abertura contemplou a própria abertura do sistema financeiro (leia-se bancos) que passou a conceder mais crédito e com maiores facilidades, conhecemos, entre nós, o “boom” da construção e a corrida da procura por casa própria.

Com um atraso de cerca de três décadas relativamente à Europa que beneficiou, logo a seguir à II Grande Guerra, da reconstrução apoiada pelo Plano Marshall, Portugal conheceria, nos anos 80 e 90 do século XX, um “boom” de construção classicamente em altura, num crescimento para a periferia em círculos concêntricos, muitas vezes ao sabor de um certo caos urbanístico.

Portugal saciou, nesse período, as sedes mais agudas de casa própria, oferecendo mais espaço vital a cada cidadão mas nem sempre mais qualidade, na pressa que o inevitável ciclo da quantidade sempre obriga, quer pela pressão da procura quer por alguma ligeireza da oferta, que também ocorreu:
A presente crise financeira mundial apanhou Portugal, em matéria de imobiliário, na transição da fase da quantidade para a fase da qualidade. Uma transição que sempre obrigaria a procurar novos paradigmas para a construção e para o imobiliário. Mesmo sem crise, financeira, sublinhe-se.

E o imobiliário, sublinhe-se de novo, deve preocupar-se em adoptar modelos que sejam amigos do desenvolvimento sustentável, o que passa, por exemplo, pela reabilitação urbana dos centros das cidades, pela opção, no novo, de edifícios verdes e inteligentes, nomeadamente edifícios energeticamente sustentáveis.
É claro como água que o imobiliário tenderá a ser mais amigo do ambiente, mais sustentado e a apresentar-se como um investimento seguro, de longo prazo, com crescimento moderado mas real e constante.

Sem as especulações que marcaram o sector em países como a Espanha, a Irlanda ou os Estados Unidos e pelo desenvolvimento de nichos de Mercado específicos, como os que se cruzam com o turismo residencial de qualidade.

Não teremos, felizmente, entre nós, as rotas das pechinchas imobiliárias como as que se mostram em certas zonas do litoral do Mediterrâneo, construções inacabadas que agora se oferecem com o máximo de imaginação e, se possível, o mínimo de preços de saldo. A nossa oferta não se excedeu como a de outros países nem o retrato do nosso imobiliário faz lembrar cidades devastadas por guerras, com guindastes caídos sobre estruturas inacabadas e com a visível existência de casas novas totalmente acabadas a envelhecer sem serem estreadas.

Não viveremos, entre nós, cenários catastrofistas de hipotecas perdidas em créditos mal parados sobre escombros imobiliários, como aqueles que marcam países que estão a experimentar os feitos de bolhas imobiliárias que rebentaram, mas teremos, para dar continuidade a esta transição do ciclo da quantidade para o ciclo da qualidade, de contar com outro empenho por parte das instituições financeiras que, em boa verdade, não podem alhear-se deste momento chave para o futuro das Economias e dos negócios, futuro que, em Portugal também passa pelo imobiliário. 

Publicado dia 28 de Agosto no Jornal de Negócios

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