As cláusulas de salvaguarda a garantir que os brutais aumentos do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) pudessem ocorrer a um ritmo mais suave, com tetos máximos de aumentos anuais, não foram estendidas no Orçamento de Estado para 2015, apesar de todos os partidos dizerem defender esta solução.

Por outro lado, soube-se que a Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) mandou penhorar em 2014 cerca 60 mil prédios, 24 mil dos quais já registados em definitivo, alguns milhares já vendidos e outros nos processos de registo habituais nestas circunstâncias, expediente que terá já feito entrar nos cofres do Estado 152 milhões de euros.

Sem grandes fugas de informação sobre cada uma destas penhoras, admito que por cá ainda não ocorram suicídios como o de Amaya Egaña, uma mãe de 53 anos que já tinha exercido cargos autárquicos na cidade vasca onde residia e que, há dois anos, atirou-se para a rua, da janela de um apartamento situado num quarto andar, momentos antes da entrada de oficiais de Justiça que se preparavam para executar uma ação de despejo por dívidas. 

A penhora em causa resultava do incumprimento de obrigações decorrentes de um contrato de financiamento para aquisição de casa própria. Para Amaya e para a família da Amaya, pouco importa se as dívidas eram à banca ou ao fisco. Ela era apenas uma das cidadãs da classe média cuja crise tem vindo a castigar de forma muito violenta.

Escondeu a situação até ao limite do impossível, deixando em herança aos que ficaram a benesse da aceitação, pela banca, de moratórias de dois anos nos casos extremos dos incumprimentos dos particulares em sede de crédito à habitação. Mais do que uma atitude generosa é uma atitude inteligente que interessa a todos.

Como eu escrevi há dois anos, neste mesmo espaço, quando os Estados aumentam as cargas fiscais em várias frentes, diretas e indiretas, forçam a diminuição dos rendimentos de quem trabalha e diminuem significativamente as prestações sociais (no desemprego, na doença, na educação), aos cidadãos da classe média não bastam as moratórias dos bancos para não entrarem em incumprimento – muitos deles vão deixar de poder pagar impostos, incumprimento que lá, em Espanha, como cá, não conhece moratórias.

Não conhece mas devia conhecer, desde logo pelo facto de não se acautelar situações semelhantes às que terão estado na base da atitude de Amaya Egaña. E pouco importam os milhões que possam entrar nos cofres de quem tem o poder de ocupar o castelo inexpugnável de cada que é a casa onde cada um mora. O custo do reverso da medalha será sempre muito superior, podendo mesmo, em algumas circunstâncias, ser brutal e definitivo. 

No quadro social em que vivemos, não podemos fingir que tudo funciona sobre rodas bem oleadas e que os incumprimentos das obrigações, fiscais ou outras, ou ambas, são coisas simples que uma simples penhora resolve. Na verdade não resolve e será bom que acreditemos o quão isto é verdade, percebendo-se a importância das cláusulas de salvaguarda do IMI e a importância de um diálogo efetivo com os cidadãos que são forçados a não pagar impostos tão importantes para o futuro deles próprios.

Luís Lima
Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
presidente@cimlop.com

Publicado no dia 03 de Dezembro de 2014 no Público

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