A sede justicialista de uma certa maneira de encarar a necessária tarefa de recolher impostos é, pelo menos na aparência, o que justifica as novas exigências da Autoridade Tributária em matéria de emissão de recibos para os contratos de arrendamento urbano, coercivamente electrónicos na sua esmagadora maioria, numa alteração que se estende ao registo dos novos contratos de arrendamento urbano nas finanças.
Os senhorios não serão equiparados ao lendário gangster Al Capone que, há quase um século, só enfrentou a Justiça norte-americana graças à perseguição implacável do fisco dos Estados Unidos da América, mas esta operação meia policial meia tributária (que já gerou obras de ficção literária e cinematográfica) é uma potencial inspiração para muitas autoridades tributárias, principalmente para as que olham os contribuintes como criminosos crónicos.
Neste campo da fiscalidade, o recurso às novas tecnologias de informação e comunicação nem sempre é opção que vise simplificar as obrigações fiscais dos cidadãos, sendo, muitas vezes, um meio que complica e até assusta sem que isto garanta os objectivos que supostamente estarão subjacentes, ou seja, uma justa e mais eficaz cobrança de impostos. O excesso de zelo nunca aproveitou a ninguém, mesmo se justificado neste sentido.
As novas regras para a emissão de recibos dos contratos de arrendamento urbano é um bom exemplo do zelo fundamentalista. Para apanhar os senhorios que fogem aos impostos, entre os quais seguramente não existirá nenhum Al Capone, impõe-se a emissão electrónica de recibos, o que vai retirar grande parte deste negócio à intermediação imobiliária e, em consequência, uma parte significativa do controlo assim exercido.
Para que a mediação imobiliária possa continuar na gestão dos arrendamentos urbanos, servindo clientes como os emigrantes (será que ainda vão ser obrigados a vir a Portugal, todos os meses, para passar recibos?…), os proprietários de imóveis colocados no mercado de arrendamento terão de autorizar os gestores a emitir recibos, situação que na esmagadora maioria dos casos implica a improvável cedência do login e da password de acesso aos respectivos sítios no portal das finanças.
Aquela gestão profissional dos arrendamentos urbanos, garantida pelas empresas de mediação imobiliária, tem sido uma reconhecida via de incentivo ao funcionamento do mercado de arrendamento urbano. Dificultar estes mecanismos tem riscos muito maiores do que os improváveis e potenciais ganhos que as novas regras de emissão dos recibos possam realmente garantir.
Por outro lado, o agora proposto acentua uma certa tendência para agravar o clima de desconfiança por parte de algumas autoridades tributárias relativamente aos contribuintes, numa assustadora filosofia de exercício dos poderes conferidos às instituições que devem gerir o Estado, o que em nada favorece o relacionamento dos cidadãos com os poderes, principalmente num Estado Democrático de Direito.
Não tenho procuração dos proprietários de imóveis, mas sinto que este não é o caminho desejável para chegarmos ao grau máximo da cidadania e da Justiça.
Luís Lima
Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
presidente@cimlop.com
Publicado no dia 29 de Abril de 2015 no Público