Os Pátios das Cantigas de Lisboa e do Porto são hoje muito diferentes do que eram em 1941, data de uma das mais apreciadas comédias do cinema português, o grande filme de Ribeirinho, produzido por António Lopes Ribeiro, que ainda perdura na memória de muitos de nós através de cenas bem conseguidas e bem interpretadas por grandes artistas como António Silva e Vasco Santana.

A loja do Evaristo (António Silva) – aquele que perdia a compostura quando alguém lhe perguntava «Ó Evaristo, tens cá disto?» – no mais recente remake do filme, realizado em 2015 por Leonel Vieira passa a ser uma mercearia gourmet, que até tem atum corrente, mais em conta, para a clientela do bairro antigo, e as pensões de bairro transforman-se em “hosteis”, se me é permitido este plural, com wi-fi gratuito para os turistas estrangeiros.

Entre os dois “Pátio das Cantigas” há a mesma diferença que existem entre a Lisboa de 1941 e das décadas de desertificação que se lhe seguiram e a Lisboa de hoje, virada para a Reabilitação e Regeneração Urbanas e para o turismo, numa renovação que exigirá reflexão, serena e aprofundada, sobre as consequências destas dinâmicas citadinas.

A um fenómeno de desertificação do centro de Lisboa, como também do centro do Porto, acompanhado da degradação do património construído, está a seguir-se – e ainda bem – uma tendência para a reabilitação e regeneração urbanas com soluções que, em alguns casos, podem ser financeiramente incompatíveis com as populações potencialmente interessadas.

E naquela reflexão cabe também lembrar que a grande “expulsão” dos centros das cidades foi determinada pela degradação a que o património construído foi votado com o congelamento das rendas, e não apenas pela incapacidade de parte dos residentes que resistiram ao fenómeno, alguns dos quais não terão, agora, capacidade económica para pagar as rendas ou para comprar as caras reabilitadas.

Esta realidade não torna inevitável que os centros de Lisboa e do Porto venham a tornar-se morada exclusiva dos mais ricos e de habitantes temporários, face ao bom turístico que se regista em Portugal e que está a gerar receitas consideradas boas para a recuperação económica do país. Gerando até grande parte da dinâmica da reabilitação urbana do património arquitectónico e mesmo criação de emprego. 

Os novos pátios das cantigas são agora logradouros de apartamentos em regime de alojamento local ou casas reabilitadas que foram adquiridas por estrangeiros, da União Europeia ou de fora da União Europeia, atraídos pelo Sol, pelo clima, a vários níveis, ameno, e pelas facilidades fiscais que Portugal oferece aos estrangeiros que investem neste sector.

Hoje, até um banco tão importante para os portugueses, como é a Caixa Geral de Depósitos, apoia e dá o nome a dois festivais de fado – o Caixa Ribeira, no Porto, e o Caixa Alfama, em Lisboa – projectando novos Pátios de Cantigas em iniciativas que ligam as tradições musicais à promoção do nosso turismo. 

Tudo isto também deve ser equacionado quando falamos das distorções do mercado do arrendamento urbano versus alojamento local para turistas. Hoje, como em 1941, é impossível atingir o melhor de dois mundos, especialmente quando há muita coisa a alterar no presente face ao passado em matéria de património construído – basta olhar para o que ainda está degradado.

Luís Lima
Presidenta da CIMLOP
presidente@cimlop.com

Publicado no dia 13 de Junho de 2016 no Jornal i

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