Temos a boca e o coração a uma distância muito menor do que aquela que consideramos correcta e, por isso, às vezes, autoflagelamo-nos a dizer que deixamos sempre tudo para a última hora, principalmente quando toca a pagar coisas impostas.

Até nos jogos da fortuna e do azar somos assim. Em tempos, algumas instituições bancárias chegaram a fazer horas extraordinárias para receber os palpites de última hora da chave do totoloto… Não sei se ainda o fazem, mas sei que isso não era pecado.

O selo do carro, a declaração do IRS, o boletim do totoloto, tudo isto já teve fila de última hora, com direito a fotografia no jornal e reportagem bem adjectivada, que esta nossa maneira latina de viver está bem plasmada no nosso sangue, pelo menos no sangue dos contribuintes.

Dos contribuintes, dos automobilistas, dos apostadores de totoloto, mas não de alguns inspectores de finanças e outros cobradores do fisco, que estão a exigir impostos que já foram pagos ou mesmo a executar penhoras antes de terminados os prazos de contestação das dívidas.

Quem denunciou estas precipitações fiscais foi um grupo de trabalho criado pelo próprio Governo para estudar a relação dos contribuintes com administração no relatório final do estudo, muito crítico para com erros deste tipo, susceptíveis de agravar injustiças e a má imagem da máquina fiscal.

A luta contra a fraude e contra a evasão fiscal não pode ser concretizada com atropelos à própria legalidade nem com uma atitude cega contra o contribuinte, nomeadamente quando este corre sérios riscos de se transformar numa vítima dos amanuenses que são mais papistas do que o Papa.

Uma desejada transformação de mentalidades, que generalize aos olhos da população a má imagem dos contribuintes que enganam e fogem ao fisco, não se obtém com uma máquina fiscal que queima prazos e desrespeita os contribuintes, causando prejuízos graves a pessoas individuais e colectivas.

Na linguagem fria dos relatórios, diz-se mesmo que o número de penhoras ou o valor cobrado não pode ser o objectivo final que determina um maior ou menor empenhamento da administração tributária. Esta corrida não se ganha, a qualquer custo, pelo maior número de infractores.

Pagar no último dia não é pecado. Pecado é antecipar, sem aviso, prazos de pagamento, e forçar castigos fiscais antes do tempo.
 

Luís Carvalho Lima
Presidente da Direcção Nacional da APEMIP

Publicado dia 2 de Outubro de 2009 no Sol

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