Uma peça única é uma peça única, seja no mercado da arte seja no mercado do arrendamento urbano. Bem comparado, diz-se que qualquer espaço comercial que apareça para arrendamento urbano na Avenida da Liberdade em Lisboa pode atingir valores elevados à escala de um Picasso que vá a leilão numa leiloeira de renome.

Quanto pode valer um Picasso que vá a leilão na Sotheby’s de Nova Iorque? Há meia dúzia de anos, dois ou três anos antes da crise financeira que despoletou em 2008, “Dora Maar com Gato”, de Pablo Picasso, um óleo de 130 por 97 centímetros, foi arrematado por 95 milhões de dólares, à data 75 milhões de euros.

Um valor então só superado dois anos antes, quando o “Rapaz com Cachimbo”, do mesmo Pablo Picasso tinha atingido a módica quantia de 104 milhões de dólares, números que cambiados para euros davam 85,5 milhões. “Dora Maar com Gato”,  um retrato da artista e amante de Picasso, terá sido arrematado por um desconhecido com sotaque russo.

Rezavam as crónicas jornalísticas deste leilão organizado pela Sotheby’s que o interesse por esse quadro de 1941, autenticado pela filha do artista, Maya Widmaier Picasso, residia obviamente na qualidade da composição mas também nas dimensões, quase um metro por um metro e trinta e no facto de ser um original que esteve fora do mercado mais de 40 anos.

Para ter chegado ao valor que chegou e tendo em conta que a base de licitação era de 50 milhões de dólares, com a leiloeira a garantir ao proprietário um mínimo de 53 milhões, houve seguramente despique e, principalmente, houve quem estivesse disponível a pagar valores desta natureza por um quadro, por uma peça única.

Estes não são porém os valores normais da procura, seja no mercado da arte seja no mercado do arrendamento urbano, nomeadamente no segmento não residencial, mesmo num cenário de liberalização das rendas como é aquele que se perspectiva – e bem – com a nova lei do arrendamento urbano, embora a venda de “Dora Maar com Gato” seja uma boa parábola.

Poderia ter sido evocada na recente reunião da Comissão de Monitorização da Reforma do Arrendamento Urbano (a primeira depois da remodelação ministerial que atribuiu a Jorge Moreira da Silva a pasta do Ordenamento do Território, reunião que aliás contou com a significativa presença do novo ministro) mas não foi, nem eu ousaria revelar o que lá se passou.

É que a parábola de um Picasso caro serviria para ilustrar bem o delicado problema da liberalização dos arrendamentos destinados ao comércio e aos serviços, tendo em conta o momento que muitas empresas estão a viver, algumas, como tenho dito, quase sem capacidade para satisfazer a renda antiga, quanto mais uma renda aumentada em regime livre.

Continua a ser válido e desejável o princípio da liberdade de se poder fixar uma renda no mercado de arrendamento urbano, mas não havendo tantos Picassos disponíveis para os raros potenciais interessados, o dilema ainda balança entre o perder de ganhar o rendimento que consideramos justo mas continuar a receber algum ou nada.

Luís Lima
Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
presidente@cimlop.com

 

Publicado no dia 11 de Outubro de 2013 no SOL

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