Há dias, alguém meu conhecido descreveu-me uma noite terrível com um pesadelo estranhíssimo que o projectou para uma cidade geométrica com prédios de alguma altura, todos eles com a forma paralelepípeda das embalagens em cartão, para a comercialização de um litro de leite pasteurizado.
A cidade onde decorria o pesadelo estava a ser alvo de uma operação de controle policial que parecia mobilizar um grande número de equipas de operacionais, constituídas por seres enormes e enormemente armados, qualquer um deles muito mais alto que o mais alto dos prédios do cenário.
Os polícias queriam saber qual o preço do custo daquelas construções e obrigavam, com uma força desadequada para as circunstâncias, os respectivos proprietários a justificar a adopção, na revenda, de preços muito abaixo dos preços de custo, numa quase clara caça ao dumping.
Sem qualquer veleidade de me apresentar como um especialista na interpretação de sonhos / pesadelos, não me parece difícil associar aquele filme fantástico que terá passado na mente daquele meu conhecido, na tal noite invernosa e sem chuva, como uma reinterpretação da acção da ASAE contra supermercados que recentemente terão vendido leite a preços inferiores aos do custo.
O que é estranho neste pesadelo é a sua transposição para o universo do imobiliário, embora se saiba que em matéria de revendas a preços inferiores aos do custo também neste sector há quem ceda a essa tentação do dumping (que no caso não se aplica) colocando imóveis no mercado a preços verdadeiramente políticos.
Às vezes, estes exageros da mente fazem-nos pensar melhor sobre as realidades que os podem determinar. Há imagens que valem mais do que muitas explicações. Quem não se lembra da existência de um lago de manteiga na Europa? Na verdade não havia nenhum lago assim, mas esta projecção dos excedentes de manteiga serviu para nos impor a Politica Agrícola Comum (PAC).
Hoje, temos menos vacas e a nossa produção de leite (e consequentemente de manteiga) está limitada e controlada, para o bem e para o mal como se diz nos casamentos. O descontrolo nesta matéria teria sido muito mais grave para todos nós neste contexto da construção da Europa como um espaço económico e politico comum. E o que é válido para o leite e para a manteiga também pode ser válido para outros mercados.
Na verdade, quando cedemos, por razões pontuais específicas, mesmo respeitáveis, alinhar na subversão das regras dos jogos, no caso das regras dos mercados transparentes, podemos momentaneamente solucionar um problema concreto mas iremos, pela nossa acção desreguladora criar problemas muito maiores que também nos afectarão no futuro. Há pesadelos que dão que pensar.
Luís Lima
Presidente da APEMIP
luis.lima@apemip.pt
Publicado no dia 16 de março de 2012 no Sol