Compreendendo a argumentação do senhor primeiro-ministro em defesa da alienação pelo Estado dos 85 Mirós que o surpreendente BPN detinha como ativo, tenho, no entanto, alguma dificuldade em aceitar que tal alienação deva ser feita sem limitação da saída desse património para o estrangeiro.

O leilão não ficaria deserto, dada a especificidade do produto (ou ativo como queiram) a leiloar, o Estado amealharia os tais 35 milhões de euros, ou mais, que dizem ser garantidos, e a maior coleção de obras de um dos maiores artistas do século XX ficaria em Portugal.

Estou perfeitamente convencido que aquela coleção de pintura continuaria a ter procura, até de interessados do estrangeiro, mesmo com a obrigação dos quadros ficarem em Portugal e do promitente-comprador ser obrigado a expô-los publicamente num espaço a construir pelo próprio comprador para o efeito.

Não sei se a nossa situação de indigência é tão grande que a seguir aos Mirós seja ainda necessário vender a Torre dos Clérigos, construída há 250 anos, de acordo com o projeto de um grande artista da época – o arquiteto italiano Nicolau Nasoni – transação perfeitamente possível, mesmo tendo em vista a transladação, pedra a pedra, do monumento.

Arriscando a que alguns comentadores desanquem nesta opinião, como já o fizeram relativamente a tudo o que foi dito, no contexto desta polêmica, a propósito de turismo cultural, digo que aqueles 85 Mirós fazem falta é num grande museu a construir no Algarve, como âncora bem merecida do turismo algarvio.

Tenho a certeza que o senhor Secretário de Estado da Cultura não se oporia a uma solução desta natureza, até porque ela não inviabilizaria a necessidade urgente de fazer dinheiro com os quadros. Talvez até já tenha sido tentada ou talvez não.

Desde já faço questão de dizer que não acredito que uma tal solução para o destino a dar aos Mirós tenha esbarrado em opiniões irredutíveis de alguns investidores a dizerem que se quisessem ter quadros assim os pediriam aos netos com a vantagem do preço.

Todos, e por maioria de razão aqueles que não tiveram o privilégio de receber uma educação visual adequada, têm o direito de não gostar de Dalís, de Mirós e de Picassos, mas não podem ignorar que cidades como Madrid, Barcelona, Paris, Londres ou Nova Iorque são destinos turísticos de excelência por possuírem, entre outras atrações, museus como o Rainha Sofia, o Museu Picasso, o Centro Georges Pompidou, a Tate Modern ou o MoMA.

Como em tempos escrevi, o Algarve precisa, urgentemente, de criar na Região, uma estrutura cultural permanente com o impacto e a força de atracão da Casa da Música, da Fundação de Serralves ou do Museu Berardo, para citar três instituições que fazem mais pelo turismo do Porto e de Lisboa que algumas políticas de promoção turística para estas cidades. Daí que aqueles célebres 85 Mirós, célebres mas perfeitamente escondidos do público, fiquem, se voarem para o estrangeiro, em malas diplomáticas ou por outras vias, a fazer muita falta, por exemplo, ao Algarve.

No que respeita ao chamado “buraco” do BPN, os Mirós são grandes ativos e valem muito mais do que os 35 milhões de euros que estarão garantidos com a anunciada alienação.

Luís Lima
Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
presidente@cimlop.com

Publicado no dia 12 de fevereiro de 2014 no Público

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