Podem os carros circular nas estradas portuguesas em apenas duas rodas? Como nos espectáculos dos “cascadeurs“ ? E os motociclos numa única? Será aceitável que um homem desfaça a barba só numa das metades do rosto – bem escanhoado do lado direito, barbudo do lado esquerdo?
Num restaurante, pediríamos uma garrafa de vinho mas receberíamos apenas meia garrafa de vinho. Ao levantar, calçaríamos só uma meia e só um sapato. E para minorar os efeitos, o pé que usasse sapato não usaria meia. Desta forma evitaríamos o desconforto de andarmos totalmente descalços.
E os jogos de futebol ? Poderiam durar apenas os primeiros 45 minutos ? Que deixariam de ser os primeiros pois transformar-se-iam nos únicos. E as moedas ? Poderiam ter só uma única face ? Assim nunca mais seria possível jogar uma qualquer sorte pelo lançamento de uma moeda ao ar.
Tudo isto parece absurdo, embora seja quase isso o que se diz, que alguma banca estará disposta a fazer na ilusão do escoamento de muitos bens imobiliários que herdaram no deve e no haver de muitas penhoras e hipotecas – desvalorizar tais activos para a metade do valor.
Com esta generosidade, a que se juntará financiamentos a cem por cento, isenções de certas taxas e spreads mais favoráveis para quem queira tais pechinchas, com esta generosidade, certa banca sonhará com a possibilidade de se ver livre do património que os caloteiros lhes deixam.
Aparentemente parece a solução adequada. Parece, mas não é, e, pior ainda, está longe de ter o efeito pretendido, isto é, de escoar com eficácia o património imobiliário mal parado nas contas de alguns bancos. Bem pelo contrário: começará por escoar 200 imóveis, mas receberá 2000.
É que, a desvalorização forçada do valor dos imóveis que este expediente poderá gerar, será contagiante para todo o património imobiliário e fará com que muitos imóveis, ainda na posse da promoção, acabem por ir parar aos bancos face à desregulação do próprio mercado.
Incapazes de competir com preços abaixo do preço de custo com que alguma daquela oferta forçada aparecerá, muitos promotores imobiliários terão de entregar a obra, ou a meia obra, aos bancos que a financiaram e que, assim, não chegarão a celebrar o feito de se livrarem das casas cuja penhora accionaram.
A metade que se perde numa operação desta natureza (como as que algumas instituições desenham), é muito maior do que a metade que se julga poder ganhar – duas metades só são rigorosamente iguais quando as olhamos na teoria, desprezando a realidade e o que a realidade pode alterar. Estou, no entanto, esperançado que uma reflexão mais cuidada introduza, como nos desenhos a duas dimensões, o rigor da perspectiva.
Luís Carvalho Lima
Presidente da APEMIP
Publicado dia 18 de Maio de 2011 no Público Imobiliário