A enorme tragédia que é a morte de uma menina de cinco anos na brutal queda de um 21.º andar de uma das Torres do Parque das Nações, em Lisboa, revelará seguramente, quando cabalmente esclarecida, negligências na atenção devida a uma criança daquela idade, mas não é imputável ao regime das Autorizações de Residência para Investimento, mais conhecidos por vistos Gold, mesmo que os pais da criança tenham recebido tais vistos residenciais.

Se se compreende que a morte da menina, a abalar profundamente todos quantos tiveram conhecimento desta tragédia, tenha sido notícia destacada na Imprensa, é menos compreensível que haja, no quadro da notícia, uma permanente preocupação em identificar os pais da criança como milionários que beneficiaram dos vistos Gold de residência em Portugal pelo facto de terem adquirido o imóvel onde ocorreu a tragédia.

O cenário do drama que alguns órgãos de comunicação social divulgaram falam num casal chinês, milionário, que vive naquele andar e que na noite da tragédia terão deixado a menina sozinha em casa, supostamente para irem até a um Casino. Não sei se isto aconteceu, ou não, assim (achando estranho que gente apresentada como milionária precise de deixar uma criança sozinha), mas sei que a desgraça não esteve nos vistos Gold.  

É certo que ninguém imputou culpas – expressamente – ao regime das Autorizações de Residência para Investimento que os pais da criança integram, mas essa “curiosidade” jornalística, noticiada no contexto em causa, presta-se a interpretações equívocas. Poder-se-ia dizer, neste contexto e por hipótese meramente académica, que os pais da criança falecida seriam adeptos e sócios do clube de futebol Real Madrid ou de outro qualquer clube com o qual simpatizassem?

Não é suposto – julgo eu – que nos critérios para a avaliação de quem possa ou não aceder ao regime dos vistos Gold existam mecanismos que afiram da capacidade dos candidatos em serem bons pais, bons cônjuges, bons filhos. É impossível garantir que alguém, pai de menores, é também uma pessoa cuidadosa na guarda dos filhos, ou garantir que num casal, mesmo com muito dinheiro, não haja violência doméstica.

Desenvolvo estas ideias com a legitimidade de quem, na sequência da tragédia que vitimou a menina de cinco anos que há dias caiu de um 21.º andar de uma das Torres do Parque das Nações, em Lisboa, foi insistentemente convidado a comentar a circunstância dos pais dessa criança estarem a beneficiar de um visto Gold, um dos tais do programa de Autorizações de Residência para Investimento.

Como sabe quem me contactou nesse sentido, escusei-me a prestar quaisquer declarações ou comentários nesse contexto. Mas fiquei a pensar na oportunidade dos pedidos recebidos e achei por bem contribuir, com o meu testemunho, para um debate que julgo ser importante para todos quantos entendem que a comunicação social, de vocação também formativa, é fundamental ao normal funcionamento dos Estados democráticos.

Um drama como a morte de uma menina de cinco anos na queda de um 21.º andar já tem, infelizmente, impacto suficiente que chegue para poder dispensar-se de servir de âncora a outras questões, também importantes, mas sem qualquer ligação à natureza dos factos em apreço. 

Luís Lima
Presidente da CIMLOP
presidente@cimlop.com 

Publicado no dia 24 de Fevereiro de 2016 no Público

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