Lendo com toda a atenção uma recente e muito citada entrevista do arquiteto Vítor Reis, presidente do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), pessoa por quem tenho grande consideração e respeito, permito-me, com todo o respeito, acrescentar mais um olhar sobre as políticas de habitação em Portugal nos anos 80 e 90 do século passado, e lembrar que nesse período o Estado também poupou milhões no que deixou de promover em habitação social.
O Presidente do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana sublinha, com rigor, os milhões que o Estado gastou na bonificação de juros do crédito à construção ou à aquisição de habitação, numa opção que deve merecer uma serena e aprofundada reflexão, mesmo considerando que no deve e haver das contas do Estado este gasto foi, seguramente, inferior ao que acabaria por ter se a opção tivesse sido no sentido da promoção da habitação social.
Ao incentivar a construção e a aquisição por parte das famílias de casa própria, o Estado gastou milhões mas poupou muito mais no que deixou de aplicar noutras vertentes do universo da habitação social e garantiu, pela via da fiscalidade (como aliás estamos a testemunhar de forma mais do que evidente), uma enorme receita cuja verdadeira dimensão começa a desenhar agora com o fim das isenções de impostos que integraram o pacote dos incentivos.
Na minha modesta opinião, o “pecado” desta opção residiu na ilusão fomentada junto de alguns sectores da população de que seria fácil concretizar o sonho, muito enraizado e legítimo, de ter casa própria. Queimando os limites razoáveis das taxas de esforço, algumas famílias foram empurradas para encargos no campo do crédito à habitação que vieram, principalmente com a crise, a manifestar-se exagerados.
Mas o Estado não perdeu com isso. Muitas famílias sim. O Estado poupou no que teria de gastar em habitação social e só residualmente gastou. As famílias, essas sim, fizeram das tripas coração para pagar as prestações devidas pelos empréstimos contraídos. Mas quem podia travar a vontade de concretizar sonhos pensados inatingíveis que, subitamente, foram tornados possíveis? De gente que nada teve durante anos e passou a poder ter algo com que sempre sonhou?
Isto aconteceu com milhares e milhares de portugueses. E aconteceu sem a solução até então mais habitual e clássica, ou seja, a da emigração (França e Alemanha nos anos 60 do século passado) perseguindo o sonho de amealhar no estrangeiro para construir em Portugal, no regresso à terra, a casa sonhada. Tudo isto e também a vontade da banca portuguesa poder assumir-se como uma banca clássica, tudo isto contribuiu para aquele bom construtivo.
Tudo teria corrido bem, para o Estado e para as famílias, se os rendimentos perspectivados tivessem seguido o seu curso, se tivesse sido o emprego e não o desemprego a crescer… E tudo teria corrido ainda melhor se aquele sonho de proporcionar casa própria às famílias tivesse sido, desde o início, mais virado para a Reabilitação Urbana do que para a urbanização, nem sempre exemplar, das periferias.
Mas aquele velho e eterno sonho de ter casa própria teve a concretização possível que teve e é com ela que o nosso património construído vive.
Luís Lima
Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa
presidente@cimlo.com
Publicado no dia 02 de Abril de 2015 no SOL