A decisão de um juiz do Tribunal de Portalegre, a considerar que a entrega de determinada casa a determinado banco, liquida toda a dívida do empréstimo do crédito à habitação concedido para a transação imobiliária inicial em apreço, tem pelo menos o mérito de lançar na opinião pública uma discussão que é sintomática da difícil situação que o país vive.

O ritmo de dações de bens imobiliários, em consequência do incumprimento de obrigações contraídas na aceitação de crédito para habitação, tem sido, neste ano de 2012, de um imóvel por hora, o que, traduzido noutra expressão, significa 24 casas por dia. Um problema que, pela dimensão, é já um problema do país.

Isto mesmo se deduz da leitura daquela sentença, a provar que a venda nos olhos da Justiça que marca, há séculos, a representação da própria Justiça, num corpo de mulher que segura uma balança, não significa que ela se alheie das mudanças da sociedade, como aliás comentaria a propósito deste caso alguém em nome da Associação Sindical dos Juízes.

Alguém que, avisadamente, lembrou que sentença não vai determinar que as pessoas passem a poder entregar casas e ver assim as respectivas dívidas saldadas. Reduzir o caso a esta projeção é simples demais e desvia a nossa atenção para o que realmente está em causa e pode ser mais claro quando somos obrigados a refletir de forma aprofundada.

Não há, nem pode haver uma guerra entre clientes de bancos e bancos, nem mesmo se a situação configurar grandes dificuldades como aquelas que levaram ao processo que deu a já famosa sentença. Não houve qualquer ilícito quando a banca apostava no crédito para a habitação como também não há qualquer aproveitamento no reverso desta medalha quando as famílias são confrontadas com a impossibilidade de cumprir obrigações a que então se obrigaram.

O que realmente a sentença do Tribunal de Portalegre  evidencia é a necessidade de evitar que a situação económica do país gere tantos casos de dações de imóveis como os que têm vindo a acontecer. Mesmo que isso obrigue a própria banca a antecipar soluções, com a renegociação da dívida,  para os casos de incumprimento que possam ser detectados precocemente.

Só desta forma, como aliás, há muito, tenho vindo a defender nas minhas reflexões públicas, podemos evitar que o sector financeiro caminhe para becos sem saída de consequências indeterminadas entre as quais, seguramente, as que resultarão de diminuição da vocação dos bancos em financiar a Economia, como aliás muita gente preconiza em análises levantadas a propósito da sentença de Portalegre.

É verdade, como ainda há dias dizia, também publicamente, um amigo meu, que os imóveis não podem ser valorizados apenas no momento de pagar impostos. Nem oito nem oitenta. Nem valorizados para efeitos de Imposto Municipal de Imóveis (IMI) como está a acontecer, a ponto de muitos proprietários não estarem em condições de pagar tais obrigações fiscais, nem desvalorizados sem critério, numa engenharia financeira que não resolve os problemas que quer resolver e apenas nos empobrece a todos.

Eis uma leitura da sentença de Portalegre, sem interpretações jurídicas, mas com olhos de ver o que está a acontecer em Portugal e tem de ser rapidamente ultrapassado.

Luís Lima

Presidente da APEMIP

luis.lima@apemip.pt

Publicado no dia 02 de maio de 2012 no Público

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