Não recordo se foi em Los Angeles se foi em Atlanta (pode até nem ter sido nos Estados Unidos da América, embora julgue que sim), mas, na memória que guardo das fascinantes cerimónias de abertura de Jogos Olímpicos, está ainda vivo um concerto de umas dezenas de pianistas a tocar, em simultâneo, no terceiro ou quarto anel do estádio olímpico que acolheu o espectáculo de abertura.

Estes espectáculos são sempre muito bem preparados e apresentam números artísticos únicos, tantas vezes aparentemente muito arriscados, como aquela solução para acender a chama olímpica que se materializou no lançamento, em flecha lançada por arco, da própria chama. Milhares de pessoas ao vivo e milhões pela televisão sustiveram a respiração pelo êxito, que viria a ser alcançado, do lançamento.

Um dos segredos destes sucessos – talvez o segredo mais importante de todos -, reside na clara conjugação de esforços convocados para que se consiga atingir o objectivo, seja ela o de afinar não sei quantas mãos marcadas para tocar ao mesmo tempo, sob a direcção de uma batuta oculta, seja tal conjugação o conjunto de ensaios que o atleta do arco e da flecha teve de cumprir para ter a certeza do sucesso do lançamento da chama olímpica.

O que é difícil, nestes casos, é conseguir convocar todas as vontades necessárias para que se atinja o objectivo pretendido. E conseguir que todas essas vontades estejam dispostas a contribuir e a colaborar, entre si, para o mesmo objectivo. Principalmente quando o objectivo é simbólico e mexe com a alma e o orgulho de um povo, mesmo num quadro internacional como é o que se vive nuns Jogos Olímpicos.

Entre nós, a convocação necessária dos esforços que o país carece nesta hora difícil para a economia, está ainda longe de conseguir com que todas as vontades colaborem no mesmo sentido. Esta é, pelo menos, a ideia que transparece, através dos media, pelo facto dos sábios poderem, aparentemente, estar muito divididos nomeadamente no que diz respeito aos grandes investimentos públicos.

Uns dizem que é preciso pôr um travão imediato nos projectos da área de transportes, nomeadamente na construção do TGV, no traçado de novas auto-estradas e no calendário para a construção do novo aeroporto de Lisboa, por considerarem que tais projectos não vão gerar o emprego que se deseja nem relançar a economia. Outros parecem dizer o contrário, que tais investimentos são mais do que necessários precisamente para gerar emprego e para relançar a economia. Uns e outros assinam-se com nomes sonantes nos meios universitários e políticos.

Com a prática da mediação colada à minha própria pele, julgo que aqueles que parecem advogar uma moratória para as obras públicas não estão contra a intervenção do Estado na Economia, tal como aqueles que apostam na urgência dos investimentos públicos não são contra a necessidade de uma avaliação permanente desses mesmos investimentos. Uns e outros reconhecerão que os tempos apresentam sinais preocupantes, nomeadamente no desemprego e que vivemos uma situação que exige uma unidade idêntica à que foi convocada por países que, saídos de guerras muito devastadores, não desistiram de empreender a reconstrução necessária.

Daí o apelo a um afinado concerto de piano, isto é, potencialmente sereno, a 164 mãos, tantas quantas as dos sábios portugueses que assinam manifestos aparentemente contraditórios.

Publicado dia 3 de Julho de 2009 no Sol

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