Numa noite destas tive um pesadelo que metia latas de atum, que afinal não eram de atum mas sim de ovas de esturjão, mas que estavam a ser vendidas, não ao preço do caviar de qualidade mas ao preço do feijão fradinho e com trinta por cento de desconto pela proximidade da data limite de validade.

Neste pesadelo, eu estava numa enorme superfície comercial, em dia de super descontos, mas essa enorme superfície tanto parecia ser um moderno hipermercado como logo a seguir surgia sob a forma de uma garagem onde decorria uma venda de garagem, daquelas que vemos nos filmes B.

Alguém pedia que incluíssem no cabaz quatro garrafas de champagne francês, de uma marca de referência, e dizia que estando o Caviar Beluga, caro e raro, ao preço dos tremoços, então aquela reserva de Mumm tinha de alinhar pelo preço do vinho italiano a granel que se vende em navios cisterna.

Tudo isto parecia um argumento de um filme B – bê de barato, entenda-se -, e estava a causar uma estranha e angustiada sensação que demorou a dissipar-se alguns minutos depois de ter acordado e de ter percebido que afinal estava apenas e simplesmente a ter um terrível pesadelo.

Um pesadelo que se formou – não é preciso ser especialista em psicanálise nem seguidor de Freud para o identificar –após a leitura de uma notícia que relevava um leilão de casas de luxo, a desconto, ou seja, nos ternos da própria notícia, a um preço entre 20% a 30% abaixo do valor nominal do mercado.

Tinha sido uma das minhas últimas leituras, antes de adormecer, a julgar pela edição do jornal, caído ao lado da cama, e aberto na página onde um dos destaques referia esse leilão de casas portuguesas de luxo, mais precisamente de 31 casas de charme e luxo a preços considerados de ocasião e imperdíveis.

Num momento como o que vivemos, em que o esforço para salvaguardar o valor do nosso património construído devia mobilizar-nos a todos, na exata medida em que sabemos que os preços no nosso mercado imobiliário não sofreram qualquer efeito de bolha e se apresentam numa relação preço qualidade única, num momento como este promover “saldos” é dar tiros no pé.

Na realidade, como podemos promover eficaz e realisticamente, nos mercados externos, a nossa oferta  imobiliária, em diversos segmentos, se a desvalorizamos artificial e publicamente com títulos de caixa alta nos jornais a transmitir mensagens que potencialmente enaltecem essa mesma e perigosamente contagiante desvalorização?

Acresce que o leilão em causa, naturalmente legítimo, leilão cujas ofertas foram classificadas pelos respectivos promotores como sendo “autênticas obras de arte do património imobiliário português”, foi efectuado em tempo real para todo o Mundo, o que é um sério revês para a promoção internacional do nosso próprio imobiliário.

Não sei se esta operação comercial alcançou o sucesso que se propunha alcançar, mas sei que não podemos sonhar em promover a excelência do nosso imobiliário se insistimos em desvalorizá-lo, incluindo nos segmentos que não careciam de promoções para se imporem.

Luís Lima
Presidente da CIMLOP
Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa

Publicado no dia 5 de Agosto de 2013 no Jornal i

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