Com o tempo que uma viagem aérea de longo curso nos dá para ler e reflectir, aterrei há dias em Lisboa com as reflexões que o Dr. Fernando Medina, presidente do município da nossa capital, partilhou numa longa e significativa entrevista onde, citando o seu antecessor e actual primeiro-ministro, Dr. António Costa, reconhece que a questão fundamental da gestão de uma cidade é saber gerir conflitos. 

Conflitos de pessoas, conflitos de interesses, conflitos de vizinhança, conflitos políticos, como indagam os jornalistas, mas não necessariamente conflituosos na exacta medida em que, como diz o entrevistado, o que é preciso gerir são as diferenças, muitas vezes apenas diferentes sensibilidades sobre a cidade susceptíveis de serem compatibilizadas sem grandes e irremediáveis choques.

Sem a pressa com que, por vezes, lemos em diagonal muita da informação publicada, sublinho esta matriz do diálogo e da compatibilização de interesses, um estilo que é fundamental em toda a actividade, mas mais ainda na gestão das cidades e dos problemas que uma importante matéria prima das próprias cidades – o imobiliário – sempre geram. É, por exemplo, o inevitável caso da lei  das rendas e dos seus relacionamentos com a reabilitação urbana.

O Dr Fernando Medina não foge a questões como a do programa “Lojas com História”, projectado para proteger algumas atividades comerciais que fazem parte da identidade de Lisboa e justificam uma atenção especial, reconhecendo que o problema terá de passar por alterações na lei do arrendamento urbano e a afinação da lei da reabilitação urbana. Em nome de um valor que merece atenção – o da autenticidade da cidade – sem prejuízo dos direitos dos proprietários.

No outro prato da balança destes debates está sempre a tese do atropelo ao direito da propriedade, a que sou imensamente sensível, mas não cegamente a ponto de advogar uma total liberalização que implique o fim – e cito o dr Fernando Medina – “de elementos essenciais de autenticidade de Lisboa, elementos que ajudam a definir e a preservar a nossa identidade quer como cidade quer como ativo turístico”. 

Eis um bom exemplo da tal sabedoria em gerir conflitos, na linha do que preconizava o Dr António Costa. O património da cidade transcende o âmbito da propriedade privada sendo que a defesa do património da cidade também interessa aos proprietários de bens imobiliários no perímetro urbano – que importará ser proprietária na cidade se essa mesma cidade deixar de o ser, ou seja, deixar de ser a cidade que faz dela o que é.

A Rua de Santa Catarina no Porto não será a mesma coisa sem o Café Majestic. A Avenida da Liberdade, em Lisboa, não seria a mesma sem o Edifício do Diário de Notícias. Não serão muitos, como o Dr Fernando Medina reconhece, os edifícios que cada cidade tem a obrigação de defender fazendo deles excepção relativamente a leis, justas, mas que foram desenhadas para a situação média dos imóveis.

Independentemente dos casos concretos que deverão merecer tratamento específico, o que realmente quero e devo sublinhar é esta cultura do diálogo e da conciliação de interesses. Salvaguardando o que sempre defendi, ou seja, que há questões, na defesa das cidades que estão acima das conjunturas dos momentos políticos e merecem o esforço dos compromissos que mais se aproximem dos consensos possíveis.

Reabilitação e Arrendamento incluídos.

Luís Lima
Presidente da CIMLOP
presidente@cimlop.com

Publicado no dia 6 de Abril de 2016 no Público

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