Tão importante como oferecer incentivos à reabilitação dos centros históricos das cidades, seja pela via de uma fiscalidade amiga da reabilitação, seja pela adopção de legislação que favoreça os processos desencadeados neste quadro, tão importante como tudo isto, neste ano um da reabilitação, é promover uma verdadeira cultura da reabilitação.
Numa suposta ironia, Barbara Kruger, uma artista novaiorquina cedeu, em 1995, à Vinçon, uma rede de lojas de artigos de design para o lar com estabelecimentos em Madrid e Barcelona, um slogan publicitário que parafraseava a célebre frase de Descartes “Penso, logo existo” numa significativa sentença consumista – “compro, logo existo”.
Os sacos de compras desta rede de lojas, mesmo que sejam feitos em papel ou em plástico recicláveis, transportam essa mensagem, nem sempre descodificada como uma possível ironia, de um consumismo levado ao extremo, idêntico ao conceito do usar e deitar fora, tantas vezes desenvolvido no tempo que já lá vai, da sonhada mas inexistente abundância eterna.
As casas não se usam e deitam fora nem se compram para provar que existimos, mas há, em todo o processo de degradação urbanística dos centros das cidades, algum deste espírito despesista e desta vocação para o desperdício evitável que nos foi moldando a alma de consumidores e que se manifesta na ironia, recuperada pela Vinçon, que Barbara Kruger deixa transparecer.
É também por isto que defendemos a ideia da urgência em promover uma verdadeira cultura da reabilitação, a par das medidas de apoio à reabilitação e regeneração urbanas já anunciadas, medidas directas ou indirectas, como serão as que se prometeram no que toca às alterações da lei do arrendamento urbano.
Esta verdadeira revolução de mentalidades que se exige sob a capa da promoção de uma verdadeira cultura da reabilitação, é também uma aprendizagem cívica a merecer a atenção dos próprios currículos escolares e deveria, por este motivo, ser incentivada desde cedo com soluções pedagógicas que os especialistas nestas matérias facilmente encontrarão.
Sem este esforço adicional, os desejados e éticos projectos de reabilitação dos centros urbanos, que são também um dos vectores da própria recuperação económica, dificilmente vingarão como se espera, defraudando este ano um de uma reabilitação urbana que, entre nós, tarda em afirmar-se como a menina dos olhos do imobiliário.
Luís Carvalho Lima
Presidente da Direcção Nacional da APEMIP
Publicado dia 14 de Janeiro de 2010 no Sol